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** Miguel Souto, Agência Lusa **
Aveiro, 30 Mai (Lusa) - O peixe fresco estraga-se e por isso os comerciantes não compraram mais, nem pagaram melhor, as caixas que arremataram quinta-feira na lota de Aveiro, na última venda antes da paralisação anunciada da frota.
Da pesca de arrasto descarregaram 10 barcos no porto de pesca costeira de Aveiro, sendo vendidas cerca de 15 toneladas de pescado e arrematadas 1.570 caixas de várias espécies, ao preço médio de 2,04 euros por quilo.
No dia anterior, seis arrastões haviam colocado 11 toneladas, correspondentes a 1.126 caixas, que foram licitadas pelo valor médio de 1,98 euros por quilo, entre as várias espécies e tamanhos.
No que respeita à pesca artesanal, foi até menor a quantidade de peixe comercializado na lota (cinco toneladas, contra as oito do dia anterior) apesar de terem acostado quinta-feira 55 barcos, quando na véspera tinham sido meia centena.
As 560 caixas de peixe foram vendidas quinta-feira pelo valor médio de 3,44 euros, quando quarta-feira esse valor foi de 3,06 euros, correspondente à média das 961 caixas arrematadas.
No moderno pavilhão da lota de Aveiro, os comerciantes assistiram da bancada ao desfile das caixas do peixe pela passadeira rolante, atentos ao peso que a balança indicava para cada uma e ao enorme painel luminoso suspenso.
Por ali recebiam a indicação do nome do barco e respectiva proveniência, a espécie em leilão, o tamanho e o grau de frescura.
Munidos de um dispositivo electrónico, pelo qual fazem as suas ofertas, acompanharam a marcha do leilão no monitor, que lhes foi dando a informação em euros, e ainda em escudos, dos lanços oferecidos.
No final do leilão, Victor Vidal, comerciante de Coimbra, ia a "deitar contas à vida", porque a paralisação da frota vai-lhe afectar o negócio.
"Olhe se houver peixe há, se não houver não há. Acho bem os motivos da greve mas penso que não vai resolver nada e o que vou fazer é fechar à espera que a lota reabra", disse à Lusa.
Na opinião de Victor Vidal, que abastece vários hipermercados e já tem uma estrutura com mais de uma dezena de empregados, "os preços estiveram iguais aos outros dias e quem veio à lota foram os do costume".
"Tudo o que for a mais de cinco dias não dá para ficar com o peixe porque perde qualidade e essa é a razão porque o pessoal não comprou mais", explicou à Lusa.
Sobre os efeitos da paralisação dos pescadores, diz que prejudica essencialmente a venda de peixe fresco, porque "a malta vai para os congelados".
"O armazém fechado não rende e tenho de pagar na mesma aos empregados, haja ou não peixe para vender. O que é que eu hei-de fazer? Olhe, vou ficar de férias...", desabafa.
Segundo Victor Vidal, o aumento do preço dos combustíveis já se tem vindo a repercutir no peixe de aquacultura, proveniente de países como a Grécia e Espanha, que desde há duas ou três semanas tem vindo a subir, pelo que não arrisca palpites sobre como é que o problema pode ser resolvido.
Décio Henriques é outro dos comerciantes que esteve na última lota e que vê a vida dificultada com a paralisação da frota, até porque, vaticina, "quando voltar a haver peixe, pelo menos na primeira semana vai subir de preço".
Ao contrário de Victor Vidal, tem um pequeno negócio familiar em Sever do Vouga, em que trabalha ele e a mulher e diz que o grande problema nem é tanto o preço do combustível, mas o baixo poder de compra.
"Quando dizem que o gasóleo está ao nível de outros países europeus, esquecem-se de falar dos salários e se tivéssemos os salários de Espanha não havia tanta preocupação", comenta.
Ex-emigrante no Canadá e na Venezuela, regressou á sete anos "com a ilusão de governar a vida em Portugal", mas queixa-se de que a situação está cada vez pior.
"Comecei a vender peixe com uma carrinha, o que ainda faço, mas abri uma peixaria, e hoje o negócio está 50 por cento pior do que há sete anos. Não eram as margens que eram maiores, mas havia era mais poder de compra e hoje as pessoas não têm dinheiro para comprar", descreve, concluindo que "como isto está, dá vontade é de voltar a ir para fora".
MSO
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