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1. Há sempre a esperança de topar um bocado de Portugal por destruir. Cada vez mais vaga a esperança. A máquina trituradora dos planos de urbanização arrasa todos os dias um pedaço da beleza deste país. Regressar é arriscar-se o viajante a esbarrar com novos crimes, agressões urbanísticas irremediáveis, que abandalham a paisagem -porque os arquitectos, se não andam a bater o fundo de desemprego, mudam de ramo, ninguém os quer ouvir. Do reino do pato bravo passou-se ao da assinatura irresponsável ou comprada. Assim aflitinho, voltei a Porto Covo. Ainda lá estaria? Estava. Tranquila, a salvo da horda dos turistas formatados (chegará, em Julho, a equilibrar a bolsa dos locais), humana, acolhedora, a vila gozava o sol de Inverno. Era o magnífico Litoral Alentejano.
2. Mas as marcas que deixam os bárbaros ficam. Para o mal e para o bem. Senão, veja-se vou, sempre, pelo admirável Manuel da Fonseca, mestre de conto e do Alentejo, que ali se acolhia, no Estio, e perguntei-me: "lêem-no em Porto Covo?". Ora, na papelaria "O Correio", de Maria Augusta Vilhena- entre as centenas de excelentes livros e jornais de todo o mundo -, encontrei obras do santiagueiro! À freguesia turística se deve "O Correio" cosmopolita? Em parte, com certeza. Positiva, pois, a afluência de banhistas, afinal, não necessariamente analfabetos. E a verdade é que não infectaram a freguesia. Manuel da Fonseca hospedava-se na Pensão da Boa Esperança; eu escolhi um recanto do Hotel Apartamento, de exemplar acolhimento que reforçou o meu optimismo. Ao contrário do simbólico Valgato ("Valgato é terra ruim", escreve o novelista, na maravilhosa "Aldeia Nova"), Porto Covo é terra amena. Folheando o livro póstumo de Manuel da Fonseca, "À lareira, nos fundos da casa onde o Retorta tem o café" (destaco "Antiga praia de Sines": magistral), na esplanada da "Pastelaria Vilhena", orgulho da proprietária, Dona Luísa, cujos bolos dão vida a um morto, e depois de opíparo almoço no genuíno restaurante "Falésia" interroguei-me, subitamente preocupado: "Até quando?"
3. Acima, de Tróia a Melides, ameaçam as obras urbanizações, "lazeres", campos de golfe... E logo o pânico: "Céus! Trazem o Algarve, a beleza estragada pela ganância e fome do lucro imediato, que se marimba para a Cultura?" A moeda pesa muito - sobretudo quando comanda uma política que ignora solidariedade e qualidade.
P. S. - Na semana passada, quando apontei as colmeias do litoral, escapou-me um pormenor e aqui fica o esclarecimento referia-me aos grandes centros urbanos, manchas no litoral e refúgio dos deserdados do Interior
