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Chama-se Maurício de Sousa, comemorou 71 anos na sexta-feira, faz histórias aos quadradinhos há 47 anos e tornou-se famoso como criador de heróis como a Mónica, Cebolinha, Cascão ou Magali, que divertiram gerações de brasileiros (e portugueses). Apostando em histórias protagonizadas por crianças que agem e vivem como tal, montou um estúdio que mantém vivas as suas personagens e as desenvolveu noutros meios audiovisuais.
Os seus livros ao quadradinhos vendem entre dois a três milhões de exemplares - por mês. Maurício de Sousa, brasileiro, criador da célebre Turma da Mónica, desenha há quase 50 anos e é hoje um dos mais conhecidos autores de BD do planeta. Está em Portugal a convite do Festival da Amadora - e não sabe explicar o sucesso das suas criações.
Jornal de Notícias | Qual era a sua ambição quando começou a desenhar as primeiras tiras com o Bidú e o Franjinha, em 1959?
Maurício de Sousa | Continuar a desenhar enquanto desse. E continuo, há quase 50 anos! Há duas formas de os encarar sentir a velhice ou renascer a cada desenho, a cada ideia... Prefiro a segunda hipótese, porque em cima da história vivida, acredito que haverá mais 50 anos de novas criações.
Qual é a sua ambição hoje?
Continuar a desenhar, mas também utilizar os novos meios. Comecei nas tiras de jornal; depois vieram as revistas, os desenhos animados, a Internet, outros processos. A tecnologia abre caminhos para chegarmos a um público mais diversificado. A nossa preocupação estratégica é utilizar os novos meios.
Nunca teve vontade de fazer outra coisa?
Não? [hesita] Tudo o que queremos criar, encaixa-se no nosso universo. E quando é necessário uma mensagem diferente, criamos uma nova personagem, como recentemente Dorinha, a menina cega, e Luca, o paraplégico em cadeira de rodas... E vamos ter uma menininha com Síndrome de Down... Estou a pesquisar porque queremos um trabalho bem feito... E vem aí uma família negra porque temos poucas personagens negras e estamos a sentir falta delas. Tudo para que a Turma da Mónica espelhe a realidade.
Como reagiram os leitores ao Luca e à Dorinha?
A Dorinha tornou-se uma das personagens mais queridas. No parque da Mónica, onde ela aparece "ao vivo", as crianças perguntam como é ser cego, que dificuldades tem, como vive... Essas personagens são apresentadas de uma forma positiva, mostrando o que sabem fazer melhor, saltando por cima das dificuldades físicas. A receptividade tem sido melhor do que esperava.
Porquê a introdução de personagens reais nas histórias como o Pelé, em tempos, e agora o Ronaldinho Gaúcho?
São figuras carismáticas, são meus amigos e mereciam que se contassem as suas histórias. Acho que fizemos uma boa escolha e as publicações do Ronaldinho estão a vender muito bem noutros países; no Brasil nem tanto, porque os brasileiros ainda estão a pensar se perdoam o fracasso no Mundial.
Criou também um filho de pais separados...
Foi um pedido dos leitores que me acusaram de na Turma da Mónica todas as famílias serem estáveis. Hoje muitas crianças têm uma segunda mãe ou pai, meios-irmãos... Mas é necessário ter cuidado para não ferir susceptibilidades.
A Turma da Mónica vai continuar depois do Maurício?
Espero que sim! [risos] Não é uma questão de vaidade, acho que o devo aos leitores. Além disso, tenho uma grande equipa que pensa continuar a trabalhar, mesmo na minha ausência. O processo tem que continuar, porque hoje somos uma indústria de criação, de produção de histórias em quadradinhos, desenhos animados, parques temáticos, merchandising... Temos a responsabilidade, inclusive culturalmente, de manter esse processo.
Quantas pessoas trabalham consigo?
Cerca de 150 pessoas, das quais 60 directamente na criação de histórias, produzindo à volta de 500 páginas por mês.
E consegue rever tudo?
Sim, é necessário. Mesmo enquanto estou aqui em Portugal, recebo todo o material para ver se aprovo ou não. Tudo passa pelas minhas mãos.
Quantas revistas editam por mês?
Doze revistas, que tiram entre dois e três milhões de exemplares? Dez vezes mais do que as revistas da Disney!
Como é que explica o sucesso da Turma da Mónica?
Não explico! Não consigo [risos] Constato apenas!
O marketing contribui para esse sucesso?
Sem dúvida. É uma soma de vários suportes diferentes. No Carnaval, vamos lançar um novo filme "A Turma da Mónica e uma aventura no tempo". O filme já está a ser adaptado em quadradinhos, estamos a preparar o merchandising, a fazer o making-of, a planear o DVD...
A participação em campanhas de âmbito social (vacinação, alfabetização, saúde) é parte dessa estratégia?
Cada vez mais instituições ligadas à saúde, à educação, por vezes fora do Brasil, como a Organização Pan-Americana de Saúde e a ONU, têm-nos contactado e solicitado a nossa colaboração. Nesses casos não cobramos direitos de autor. Mas, claro, isso dá também uma exposição altamente positiva das personagens.
O acordo que assinou há semanas com a Panini vai trazer a Mónica de volta a Portugal?
Todas as minhas revistas vão recomeçar do n.º 1 e estarão nas bancas portuguesas a partir de Janeiro, ao mesmo tempo que no Brasil. Tenho conversado aqui com as pessoas para saber se as preferem em português do Brasil ou em português de Portugal e mais de 90 % opta pelo brasileiro!
O facto de a Turma ser publicada em países muito diferentes, obriga a alterar as histórias?
Elas são avaliadas localmente. Por exemplo, o Chico Bento costuma tomar banho nu, mas na Indonésia eles apagam as partes... Na Grécia, o Titi não pode assobiar a uma menina na rua porque é considerada uma atitude de extremo mau gosto. Nos Estados Unidos e no Japão, o Bidú não pode fazer chichi nos postes senão a editora é multada! Em cada país sabem o que podem fazer ou não.
E o mercado dos EUA deve ser o mais susceptível de todos?
É... É onde temos que ter mais cuidados.
"Deixem as crianças ser crianças" é uma boa definição das suas histórias?
Não devia ser só das minhas histórias. Devia ser assim na vida real! Devia estar num cartaz em todas as casas!
Nunca houve nenhum português na Turma da Mônica. Já pensou nisso? Bom, a Magali namora um menino que é filho do padeiro - e que é português... Mas a minha ideia é criar um miúdo, um lisboeta de gema, o António Alfacinha. Ele irá falar o português original de Portugal, com diferenças fonéticas, palavras diferentes, para que as crianças no Brasil as conheçam e comecem a utilizá-las. Haveria uma aproximação de crianças do Brasil e de Portugal que eu acho extremamente positiva.
Quando é que poderemos então ver o António Alfacinha nas suas histórias?
Depois desta exposição na Amadora, eu vou ter algumas conversas por aqui. Se eu for bem alimentado com informações, acredito que em breve lançaremos esse novo Alfacinha.
