
Rita Cruz estreou-se na ficção em 2021, com "No país do silêncio"
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"A menina invisível"., segundo romance de Rita Cruz, dá voz às vítimas silenciadas dos abusos físicos.
É a partir de uma perspetiva de desconforto e de interrogação permanente que Rita Cruz (1975) constrói o seu mais recente romance, "A menina invisível", publicado pouco mais de um ano depois da estreia, com "No país do silêncio".
Se na sua primeira incursão ficcional, situada numa aldeia remota portuguesa em pleno Estado Novo, são várias as personagens que se confrontam com as marcas do passado nas suas mais variadas formas, em "A menina invisível" é a protagonista que carrega por inteiro esse fardo.
Em ambos os casos, encontramos a mesma vontade da autora de colocar no eixo das narrativas aqueles que, por força das circunstâncias, são vítimas da História, mesmo que tal ocorra sem que nenhuma ação direta lhes possa ser imputada.
No Portugal do século XIX, onde a cada vez mais evidente decadência monárquica só encontrava eco nas aspirações revolucionárias dos republicanos, Alice, uma criança com oito anos, conhece a face mais hedionda dos seres humanos, ao engrossar o rol de vítimas de um criminoso à solta. Enquanto a sua avó é assassinada com requintes de malvadez por uma besta conhecida pelo povo por Carniceiro, Alice é brutalmente espancada e sobrevive de forma quase milagrosa. A vida, que sempre lhe fora tão ingrata até esse momento, dá-lhe uma segunda oportunidade quando é resgatada por uma família abastada e acolhida no seu seio, embora dificilmente possamos dizer que foi aceite como um dos seus membros.
Todavia, as marcas da violência de que foi vítima, essas, perduram e manifestam-se sob a forma de um dom que nasceu da maldição: Alice adquire a capacidade de se tornar invisível aos olhos dos outros, refugiando-se assim do perigo e da crueldade humanas.
Com segurança, Rita Cruz vai-nos conduzindo pela acidentada vida de uma personagem cujos contornos acabam por ser definidos em larga medida pelas próprias feições de um país que busca novos rumos, ultrapassados como parecem estar os grandes mitos imperialistas do passado.
A hábil dosagem entre dor e esperança, medo e alegria, vai marcando esta narrativa, na qual a autora não abdica do forte desejo de comunicabilidade, como se o leitor não fosse apenas o destinatário da história, mas também seu confidente inseparável.
"A menina invisível"
Rita Cruz
Guerra e Paz
