
João Manuel Ribeiro/Global Imagens
Saber lidar com as contrariedades - estará aqui o segredo do sucesso em qualquer profissão. Mas, quando se trata de crianças e se estas querem enveredar por uma carreira no mundo cintilante da moda, saber lidar com o "não" é mais do que um pormenor, é um valor de referência que pode fazer toda a diferença.
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É esta a opinião da psicóloga da unidade de adolescência do Hospital Lusíadas no Porto, Filipa Rouxinol. "Muitas vezes, os pais não estão preparados para o que este tipo de vida, a artística, exige da criança e deles próprios, e o importante é ensiná-las a lidar com a frustração desde pequenas".
Segundo a especialista, "é preciso ajudá-las a crescer do ponto de vista emocional, para que numa situação de maior stress, como o caso de um "casting", sejam capazes de compreender que o "não", que naquele momento apenas está circunscrito a um contexto, deve ser dado de forma positiva e construtiva", diz Filipa Rouxinol. A psicóloga aconselha desde logo a prevenir "consequências negativas, nomeadamente ao nível da imagem corporal, podendo as crianças desenvolver algum tipo de perturbação no comportamento alimentar (anorexia, bulimia), mas também baixa autoestima e elevada autocrítica, devendo as crianças ser preparadas para enriquecer a sua capacidade de relacionamento entre pares".
"Nem todos podem ser Ronaldos"
É aqui que "o papel dos pais é muito relevante - continua a psicóloga -, principalmente na adequação das expectativas, pois não podemos ser todos "Ronaldos" ou "Saras Sampaios", mas todos temos qualidades e características boas que devem ser reforçadas e elogiadas, mesmo que sejam fora do que é desejável ou pretendido no mundo da moda ou, por exemplo, num outro campo muito exigente como é o do futebol".
Fazer pose, ver o rosto numa revista ou subir a passarela e desfilar parece ser o que move os meninos e meninas que estão desde anteontem a tentar um lugar na moda, num casting que só termina hoje no Mar Shopping, em Leça da Palmeira. Avaliadas pela Space Milan Models, as crianças, com idades entre os 4 e os 12 anos, são maquilhadas, vestidas e fotografadas. Os dois melhores ganham um ano de agenciamento.
Pintarolas, João Vicente, de 12 anos, surpreendeu a mãe, Susana Vicente, ao pedir para participar no casting, até porque nunca "gostou muito de fotografias". Antes, o filho já tinha sido convidado para catálogos e desfiles de marcas conhecidas, mas a mãe sempre declinou "por ele ser muito pequeno e não ter idade". Aliás, "acho que ele ainda não tem idade, mas trouxe-o para que ele não diga que nunca lhe faço a vontade", reconheceu Susana. A seu lado, João assumiu que "gostava de ser manequim", numa altura em que se prepara para o 7.º ano, tentando manter "as boas notas" que até aqui marcaram a pauta, continuando a praticar futebol e badminton no desporto escolar.
Aos 6 anos, Sara já se maquilha
"Aluna média", segundo os pais, Nuno e Sónia Sequeira, Ana Beatriz, também de 12 anos, é uma pré-adolescente "tímida", mas foi sem inibição que enfrentou o desafio. "Foi fácil", disse ao JN. A mãe contou que "ela passa a vida a desfilar em casa", por isso está "pronta para a apoiar na escolha que faça". Ana Beatriz tem em Sara Sampaio uma referência e até já se imagina a ir para Lisboa onde estão as maiores oportunidades. Se isso acontecer, "levo os meus pais comigo", afiançou.
Sara foi apanhada quando passava pelo local com a mãe, Cristina Branco. Apesar de "gostar de moda", desconhecia a iniciativa, mas aderiu com entusiasmo. "Ela tem 6 anos, mas nunca sai de casa sem se maquilhar e está sempre a ver vídeos no YouTube para aprender", contou Cristina, enquanto a menina tenta a sua sorte a fazer poses.
Inês, de 9 anos, também foi chamada para o casting que a mãe, Carla Botelho, aceitou por ser "uma oportunidade única". Ela explica: "Falaram-nos de nutrição, preocupações a ter com o corpo e exercício físico que a Inês nem sempre gosta de fazer. Agora, vamos ver se ela ganha um bocadinho de entusiasmo", disse.
Nestas iniciativas nenhuma criança é fotografada sem a devida autorização e acompanhamento do tutor. António Espanhol, da Space Milan Models, explica que os cuidados com as crianças são redobrados após serem agenciados. "Os que ficam connosco têm um acompanhamento adequado, até porque, como agência, a nossa formação tem uma componente relacionada com a psicologia que nos permite preparar as crianças para ouvirem o "não" num casting".
