Ator trabalhou em Portugal, em Espanha e no Brasil, no cinema, no teatro e na televisão. Morreu na sexta-feira inesperadamente. Tinha 46 anos.
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É uma despedida. Mas é mais do que isso, é a certeza de que o amor fura a eternidade. Quase no fim de "Variações", filme de João Maia estreado há menos de um ano, há um momento em que Sérgio Praia (António Variações) escolhe um vinil, coloca-o em câmara lenta no gira-discos e quase sorri. Ouve-se Amália Rodrigues. "Por trás do espelho quem está/ De olhos fixados nos meus?" Por trás de Sérgio Praia, surge caminhando vagarosamente, sala de luz baixa, copo de água na mão, Filipe Duarte (Fernando Ataíde, o fundador da discoteca lisboeta Trumps).
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Não há diálogo ali. Há um abraço com a força de um terramoto, os dois de olhos fechados, mãos nas mãos, o corpo de um a rodar sobre o corpo do outro, cabeças pegadas em crescendo como no clímax de uma ópera, e um beijo terminal que firma o inescapável: nem a distância a que sobreviveram nem morte que terão de enfrentar poderá alguma vez separá-los do amor que trazem dentro.
É a cena do filme em que o filme nos atira ao chão. Uma cena concluída no primeiro e único take, revela ao JN Fernando Vendrell, o produtor. "Dura três minutos, o tempo desse fado, "Cansaço", e abalroou todos os que assistiram à gravação. Foi uma comoção geral."
Filipe Duarte, corresponsável por este soco que não passa - "ator de intensidade única", enfatiza ainda Vendrell - morreu ontem, vítima de enfarte do miocárdio. Foi encontrado pela mulher, a atriz espanhola Nuria Mencía, e pela filha de nove anos, na casa de Cascais. Uma morte inesperada, abrupta. O argumentista Rui Vilhena emudeceu quando soube, "confuso e desnorteado". O ator Pedro Granger ficou com a "fé aos trambolhões".
Medeia partilha filmes até domingo
Filipe Duarte, Pipo para os amigos, tinha apenas 46 anos. Nasceu em Angola, onde vivera até aos três anos, e acabara mais uma vez de regressar a Portugal, vindo do Brasil, depois de terminadas as gravações de "Amor de Mãe", telenovela em exibição na Sic. "Uma perda irreparável", reagiu Daniel Oliveira, diretor de programas daquela estação. "O Filipe era um dos melhores atores da sua geração. A marca do seu talento ficará para sempre entre nós."
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A sua carreira é extensa em todas as áreas, mas foi pelo seu desempenho em "A Vida Invisível", de Vítor Gonçalves - outro soco, outra vez sobre a perda -, que em 2015 foi distinguido como melhor ator de cinema, na vigésima edição da Gala dos Globos de Ouro.
É parte desse legado cinematográfico, que inclui mais de três dezenas de películas, que a Medeia Filmes decidiu partilhar gratuitamente até domingo. Assim, será possível ver ou rever "A Outra Margem", de Luís Filipe Rocha (2007), "Entre os Dedos", de Tiago Guedes e Frederico Serra (2008) e "Só Por Acaso", de Rita Nunes (2003).
"Mosquito", dirigido por João Nuno Pinto, estreado em março, não faz parte da lista que serve a homenagem a que nem Marcelo Rebelo de Sousa se furtou. "É triste perdê-lo, tão novo, a meio da carreira e da vida." Outros, muitos, relevam a sua excelência, o caráter, a bondade, a versatilidade, o sorriso, a humildade. "Um dos grandes talentos da sua geração", reiterou a ministra da Cultura.
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Filipe Duarte estudou na Escola Superior de Teatro e Cinema e no Instituto de Investigação e Criação Teatral, em Lisboa. Estreou-se no palco no início dos anos 90, com a Companhia Teatral do Castelo e o Teatro da Garagem. Passou anda pelo Teatro Meridional e Teatro do Vestido. Trabalhou em Portugal, no Brasil e em Espanha. No cinema, ainda poderá ser visto em "Nothing Ever Happened" , filme de Gonçalo Galvão Teles, atualmente em pós-produção.
E mesmo na sua "fase heavy metal", nunca deixou de ouvir António Variações, o personagem principal do filme em que Amália canta esse fado raro: "Alguém que passou por cá/ E seguiu ao Deus dará/ Deixando os olhos nos meus".
