No dia em que se completam 10 anos sobre o espetáculo de encerramento de Guimarães Capital Europeia da Cultura, o palco do Centro Cultural recebe o espetáculo "Uma espécie de coisa", com direção artística de Rui Souza e Carlos A. Correia.
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Passados dez anos, Guimarães relembra, nesta quarta-feira, no palco principal do Centro Cultural Vila Flor, o grandioso espetáculo de encerramento da Capital Europeia da Cultura (CEC). Desta vez são "apenas" 250 pessoas, entre músicos e elementos do coro, em vez dos cerca de 600 da edição original que Carlos A. Correia, diretor artístico, considera ter sido "um momento irrepetível, em que houve dinheiro para fazer coisas grandiosas na área da cultura". O espetáculo de 2022 pretende ser mais do que uma reposição do original "Então Ficamos". "Uma espécie de coisa" quer fazer uma resinificação à luz das transformações sociais que aconteceram na década que passou.
Em 2012, havia uma orquestra filarmónica, desta vez há nove baterias, outros tantos teclados, 19 guitarras elétricas, 14 baixos, 16 percussionistas com caixas e bombos, sopros, cordas, 110 músicos que vêm da clássica, do rock e da música popular. Nas vozes, Amélia Muge, que integrou o elenco do 2012, André Júlio Turquesa e João Neves somam as suas às dos 140 elementos do coro. Entre os instrumentistas, há alguns profissionais virtuosos, muitos amadores com qualidade e jovens que estão a "arranhar" os primeiros acordes. Rui Souza aceitou a tarefa de adaptar as partituras originais para que pudessem ser tocadas por estes músicos tão diferentes, "mantendo o esqueleto dramatúrgico: infância, religião, operários do Vale do Ave, família".
Quando decidiu produzir este espetáculo, a associação "Outras Vozes" - uma resistente da CEC - lançou duas 'calls', uma para o coro e outra para instrumentistas. "Para a voz começaram logo a aparecer pessoas que estiveram no "Então ficamos", em 2012, felizes por poderem reviver aquelas canções que lhes dizem tanto", refere Carlos A. Correia. Helena Sousa além de ter cantado, em 2012, também teve um papel de destaque na performance e confessa que está radiante por poder voltar a integrar um projeto com esta música. "Estou muito impressionada com o que já vi, estou curiosa para ver como vai ficar com a Amélia Muge", afirma.
As composições para este espetáculo nasceram de uma série de entrevistas conduzidas pelo jornalista Rui Pereira junto da comunidade vimaranense. Esses conteúdos serviram depois de inspiração para Fernando Lapa, José Mário Branco, Amélia Muge, Carlos Nobre (Carlão) e os Mão Morta. O resultado foram canções que retratam o imaginário do povo de Guimarães, como "A marcha da fome", "Aperta a trama" ou "Doba e não pia", muito relacionado com as vivências dos operários têxteis.
As pessoas com mais de oitenta anos que cantam no coro, tinham três ou quatro anos quando a Marcha da Fome de que fala a canção aconteceu, em 1944. A memória que têm desses tempos de racionamento, por causa da guerra na Europa, chegou-lhes principalmente pelos pais e, contudo, faz parte deles. "Estas canções dizem-nos muito", garante uma das mulheres mais idosas. A memória que Carolina Piairo, de 15 anos, que se prepara para rufar a sua caixa no espetáculo de quarta-feira, tem da CEC 2012 também foi construída a partir do que lhe contaram os pais e, no entanto, diz que se sente como se tivesse feito parte.
O testemunho intergeracional está bem representado pela dupla constituída pela maestrina Marisa Oliveira e a sua mãe. A filha dirige o coro a mãe canta. Mas há inúmeros outros casos, de professores e alunos, pais e filhos, avós e netos. "Uma espécie de coisa" é um espetáculo feito no território, pela comunidade.
Uma associação que nasceu na Capital Europeia da Cultura
A "Outra Voz" é um grupo de comunidade dedicado à expressão e exploração vocal. "Mas é mais do que um coro", precisa Carlos A. Correia, "porque os espetáculos têm sempre uma componente de movimento". O grupo foi criado, em 2010, a partir da Área de Comunidade para programação da CEC 2012 e teve um papel muito relevante no espetáculo de encerramento integrando pessoas vindas de mais de 50 localidades diferentes. É o único projeto artístico que resistiu para além da realização da Capital Europeia da Cultura. Em 2013, constituiu-se como Associação Cultural sem fins lucrativos e tem a sua atividade regular de ensaios distribuída por diferentes freguesias do concelho de Guimarães. A formação conta com cerca de uma centena de participantes e já atuou em palcos como o CCB, Culturgest e gravou com Amélia Muge e Michaels Ludovikas.
