Em entrevista exclusiva ao JN, Nuri Bilge Ceylan, aclamado cineasta turco, fala do seu novo filme e do que o move
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Nuri Bilge Ceylan (n. 1959) é um dos grandes autores do cinema moderno. Distinguido com a Palma de Ouro em 2014, por "Sono de inverno", o cineasta turco tem agora uma nova e sublime obra-prima - "A Pereira Brava", em exibição no Porto. Em entrevista exclusiva ao JN, o realizador que não gosta de falar falou do que o faz filmar, da melancolia que o habita e por que razão experimentou trocar o silêncio dos filmes pelo diálogo.
É tão melancólico na vida como os seus filmes?
Sou muito melancólico. Facilmente a vida deixa de ter sentido para mim. Conseguir filmar essa melancolia talvez seja a minha terapia.
É pessimista?
Não sou otimista. O final deste filme é dos mais otimistas que já fiz.
A cena em que o escritor descobre que não vendeu nenhum livro é a projeção do medo de que ninguém veja os seus filmes?
Ultrapassei as minhas expectativas. Comecei com o meu próprio dinheiro. Para ser livre, nunca pedi nada a ninguém, nunca esperei nada. Mesmo que nada acontecesse, continuaria a fazer filmes. É o que corresponde melhor ao que sou.
Como definiria "A Pereira Brava"?
É a relação entre pai e filho. É sobre a vida. Não gosto da intriga, no sentido tradicional. Se é óbvia, não gosto do filme. Tento escondê-la.
O pai do filme é o seu pai?
É baseada no pai do meu coargumentista, que é parecido como o meu pai. É uma pessoa com valores, mas à volta dele ninguém se importa. Por isso, é tão solitário. O meu pai viveu a mesma situação a vida inteira.
A religião é outro tema abordado...
A cena da discussão teológica é a mais longa, porque é um aspeto importante da vida na Turquia. Mas é tabu. Não é fácil falar de religião. Os jovens usam metáforas. O meu pai não era crente, mas nunca o disse.
E o Nuri, é crente?
Prefiro olhar o assunto do ponto de vista sociológico. Não é importante se sou crente, importante é falar sobre o tema. Aquela conversa sobre religião é mais compreendida pelas pessoas na Turquia, há pormenores que só eles percebem.
Por que razão escreveu uma cena assim?
Os intelectuais na Turquia falam assim. Os imãs também. Eu próprio falo com a minha mulher com códigos.
O jovem escritor do filme é uma projeção do jovem cineasta que foi?
Quis falar do que rodeia um jovem, hoje, na Turquia. Aquilo com que tem de confrontar-se, sobretudo se quer alguma coisa diferente, como ser escritor na província. Nesse caso, vai estar bastante sozinho. Não vai ser fácil encontrar um amigo que o compreenda.
Alguém que o leia...
Alguém mesmo com quem falar. Conheço alguns professores da minha terra. Quando vou lá, apanham-me logo para conversar sobre literatura. O meu pai também era assim. Adorava História. Era especialista em Alexandre, o Grande. Mas não tinha com quem falar. Até faziam troça dele.
Nos seus primeiros filmes havia muitos silêncios, mas aos poucos tem-se interessado pela linguagem.
Queria experimentar a linguagem. Era um desafio. É muito arriscado falar de filosofia e de literatura num filme. Nos filmes dos outros, não gosto. Gosto no teatro. O cinema tem de se ser mais realista.
Procura novos temas?
Quero fazer filmes sobre o que não conheço. Quando se faz um filme, investiga-se, pensa-se. O desconhecido puxa por nós. Estes temas são aqueles com que discuto comigo mesmo.
CICLO DE CINEMA
Seis filmes de Ceylan para ver no Campo Alegre
"Paisagens turcas com figuras - O cinema de Nuri Bilge Ceylan" é um ciclo de cinema dedicado a um dos realizadores mais aclamados da atualidade. além do novo "A Pereira Brava", a Medeia Filmes programou mais cinco obras do cineasta turco, para ver em abril, ao fim da tarde, no Porto: "Uzak - Longínquo" (dia 4), "Climas" (dia 5); "Era uma vez na Anatólia" (dia 6), "Sono de inverno_(dia 7) e "Três macacos", dia 8).