Um relato humano, violento e incómodo de Barry Windsor-Smith.
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Na génese, em 1984, esta era para ser uma narrativa sobre Bruce Banner e o incrível Hulk. O tom demasiado adulto e o registo sombrio fizeram com que a Marvel não aceitasse o projecto e Barry Windsor-Smith avançou sozinho. Nós, leitores, só ganhamos com a mudança que tornou muito mais humana, violenta e incómoda a narrativa e facilmente perdoamos os quase 40 anos que levou a concretizá-la.
A história arranca em 1964, quando o jovem e franzino Bailey tenta ser recrutado pelo exército. A sua condição de órfão de saúde frágil torna-o ideal para ser submetido a experiências atrozes conduzidas por um ex-nazi, com o objetivo de fazer dele um super-soldado. O resultado é o oposto: vê-se transformado num ser disforme, numa aberração humana. É aparentemente o monstro a que o título alude, mas os verdadeiros monstros são invisíveis, são aqueles que então, como agora, estão ao nosso redor.
Através de diversas elipses temporais, a narrativa vai-se desenrolando em diferentes momentos e registos, nas duas décadas seguintes ao fim da II Guerra Mundial, a caminho de um desfecho trágico numa América profunda e perdida, não só no mapa mas também nas suas contradições. Só isso pode permitir que a loucura consciente de um ex-nazi e o desvario em que mergulha um soldado americano nos últimos dias da guerra concorram para que o mal, a barbárie, a violência gratuita e a falta de humanidade afetem profundamente a vida de tantos dos seus concidadãos, que não aspiram a mais do que a vidas tranquilas em família.
Famoso pela forma agreste como deu vida a "Conan, o bárbaro" e a alguns dos super-heróis da Marvel, Windsor-Smith, apesar da idade avançada, demonstra aqui todo o seu génio gráfico. Com um traço notavelmente hiper-realista, carregando uma vezes na escuridão dos negros, ou outras na alvura dos brancos - quando não utiliza ambos como elementos de um poderoso jogo de contrastes - dá vida aos piores pesadelos, exacerbados pelas cenas de violência explícita, que contrastam com o ritmo lento de um relato rico de contrastes que expõe as consequências devastadoras das acções monstruosas de que só o ser humano é capaz e que só atingimos em toda a sua dimensão uma vez lidas as quase 400 páginas deste livro.
Monstros
Barry Windsor-Smith
G. Floy