
Alain Tanner: 1929-2022
Vittorio Zunino Celotto/WireImage
Cineasta suíço tinha 92 anos e filmou várias vezes na capital portuguesa. "A cidade branca", de 1983, é dos seus filmes mais famosos por cá.
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Estávamos em 1983. Os Cravos da Revolução começavam a murchar. No auge do PREC, muitos realizadores estrangeiros tinham vindo filmar ou viver para Portugal, como Robert Kraker, Thomas Harlan ou Glauber Rocha. Mas nenhum reparara como Alain Tanner no que depois de tornou comum sentir: a luz "branca", muito especial de Lisboa.
"Na Cidade Branca", o primeiro filme que o suíço veio fazer a Lisboa, Bruno Ganz, seu evidente alter-ego, é um marinheiro de passagem pela cidade, onde decide instalar-se, numa pensão de um bairro antigo. Ficou fascinado pela luz, pelos silêncios - quase inexistentes, 30 anos depois, na mesma cidade, agora inundada de turistas - pela melancolia. Envia postais e pequenos filmes em Super 8 para a namorada, mas acaba por se apaixonar por uma empregada de quarto, interpretada por Teresa Madruga.
O drama venceria o César para o melhor filme francófono e é contemporâneo de outros cineastas que por cá passaram, uns mais do que outros, como Raoul Ruiz, que tanto filmou o nosso país que quase pode ser também considerado "português", mas também Wim Wenders, Samuel Fuller.
É certo que Lisboa e arredores já tinha sido cenário de filmes como "Angústia", de François Truffaut ou mesmo um James Bond ("007 Ao Serviço de Sua Majestade") e que o mesmo continuaria a acontecer, em obras como "A Casa dos Espíritos" e "Comboio Nocturno para Lisboa", de Bille August, "A Casa da Rússia", de Fred Schepisi, ou "A Nona Porta", de Roman Polanski, mas não custa muito a acreditar que vieram todos em busca da tal "luz branca" que Tanner descobriu.
Quando por cá passou, Alain Tanner estava longe de ser um novato à procura de temas novos. Pelo contrário, o suíço, nascido em Geneva, a 6 de dezembro de 1929, tivera uma carreira considerável de documentarista e foi o elemento de proa de uma "nouvelle vague romande" que marcou o final da década de 1960 e os anos seguintes, e que incluía ainda Claude Goretta, Michel Soutter, Jean-Louis Roy e Jean-Jacques Lagrange.
No caso de Tanner, a sua primeira longa-metragem data de 1969, chama-se "O Último a Rir" e é uma reflexão existencialista sobre a alta burguesia relojoeira do seu país, através do retrato de um homem que decide cortar tudo com o estatuto social de privilégio que a sua família lhe garantia.
O filme venceu o Leopardo de Ouro de Locarno, abrindo caminho a um período fantástico na obra de Tanner, que incluiu obras como "A Salamandra" e "Regresso de África", vencedores de prémios em Berlim, "O Centro do Mundo", "Jonas, que terá 25 anos no ano 2000", "Messidor" e "Os Anos de Luz", Grande Prémio do Júri de Cannes, imediatamente antes da luz de Lisboa. Um conjunto sólido e homogéneo de filmes, onde a liberdade, temática e narrativa, andam a par, e o pensamento, a ideia, mas também a deriva e o sentido de viagem são motores narrativos frequentes.
Tanner deixou raízes em Lisboa, para onde voltaria a fazer essa viagem para uma produção de Paulo Branco. Já depois da Gemini Films, a produtora francesa de Branco, ter participado em "A Mulher de Rose Hill" (1989) e "O Homem Que Perdeu a Sombra" (1991), Tanner filmou em Lisboa o pessoano "Requiem", sobre um escritor que encontra em Lisboa várias personagens do seu passado.
Estreado em 1998 na Quinzena dos Realizadores de Cannes, o filme é protagonizado pelo francês Francis Frappat e inclui presenças de Zita Duarte, Canto e Castro, Márcia Breia, Raul Solnado, Lia Gama e Sérgio Godinho, entre outros.
A Gemini de Paulo Branco voltaria a produzir-lhe "Jonas et Lila, à Demain", falsa remake de um dos seus filmes mais míticos, mas projeto algo falhado, "Fleurs de Sang", corealizado com uma das suas musas, Myriam Mézières e "Paul s"en Va", datado de 2004 e o seu último trabalho para cinema. O seu último trabalho conhecido é um pequeno filme para televisão, integrado numa série de obras comemorativas do 300 aniversário do nascimento de Jean-Jacques Rousseau, em 2012. Alain Tanner deixou-nos hoje, aos 92 anos de idade. O seu cinema e o seu legado continuarão sempre vivos na memória dos cinéfilos e na prática dos cineastas.
