A importância vital do enamoramento nos nossos dias está no centro do novo livro de Manuel Vilas, "Os beijos", já disponível no mercado editorial português.
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Há algo de reconfortante nos escritores que escrevem sempre o mesmo livro até ao fim da vida. Além de criarem um espaço de coerência inviolável, transmitem aos leitores uma sensação de segurança que provavelmente não encontram em mais lado nenhum.
O aragonês Manuel Vilas pertence por direito próprio a esta categoria literária, ao fazer dos seus livros lugares de aturdimento interior nos quais a Humanidade se despe dos seus artifícios e procura reencontrar-se com uma inocência há muito perdida.
Foi o que pudemos ler "Em tudo havia beleza", magnífica revisitação de uma infância mitificada pela passagem dos anos, ou "E, de repente, a alegria", celebração da vida no que esta tem de mais puro e, até certo ponto, intraficável.
Embora se afaste aparentemente do território da autoficção em que os dois romances anteriores estavam mergulhados, "Beijos" é uma variação dos supracitados títulos. Com a desvantagem, não despicienda, de vir sem o efeito de novidade dos anteriores e, pior ainda, com uma insistência algo laxista nas fórmulas que lhe granjearam justa aclamação (a palavra "beleza", por exemplo, é utilizada dezenas de vezes ao longo da narrativa).
No âmago da história, Vilas colocou um professor de História com a sua idade (a inclinação autobiográfica parece não largar o autor) que vê a sua recente reforma e a respetiva promessa de tranquilidade serem colocadas em causa com o deflagrar de uma pandemia que consome tudo à sua passagem. Subitamente, sobretudo para quem afirma ter um passado amoroso quase intacto, apaixona-se pela empregada do mercado local, que, embora seja perto de 15 anos mais novos e dona de uma beleza sem par, como a designa o narrador, logo se apaixona sem remissão por este, pese embora a sua absoluta falta de atrativos.
A inverosimilhança pode perturbar os mais cínicos, que terão porventura ainda maior dificuldade em lidar com os facilitismos "kitsch" em que o autor incorre amiúde, aquando da descrição das cenas libidinosas. Já se sabe que escrever sobre sexo é um território minado do qual poucos escritores saem absolutamente ilesos - tal a facilidade com que se resvala para o mau gosto, o oitavo pecado capital, como é por demais sabido -, mas, neste capítulo, talvez se esperasse algo mais de quem faz da poeticidade da escrita a sua maior virtude.