Chama-se Welket Bungué, nasceu na Guiné-Bissau em 1988, de origem Balanta e tem já experiência no teatro, nomeadamente em grupos de Lisboa e de Beja. Agora, com a sua interpretação em "Berlin Alexanderplatz", em competição pelo Urso de Ouro, poderá aspirar a um dos prémios de interpretação mais desejados do mundo.
Corpo do artigo
A possibilidade é séria, visto que Bungué é o protagonista do filme, estando em praticamente todas as cenas de uma adaptação moderna de um dos romances mais importantes da literatura alemã do século XX, escrito em 1929 por Alfred Doblin e já adaptado por Rainer Werner Fassbinder numa série televisiva estreada há quarenta anos.
Se à época o romance falava desse período tão importante da história alemã que foi o entre guerras, hoje vivemos uma situação política e social não menos complexa. A emigração, em todo Mundo mas com especial incidência na Alemanha, é um dos temas do momento, que esta adaptação toma como princípio, com a chegada à Alemanha de Francis, vindo de África, num percurso onde perdeu a companheira. Um trauma que o vai perseguir ao longo da história - e das três horas de filme que não se sentem passar - em que se cruza com um perverso vendedor de droga e com uma prostituta de luxo por quem se apaixona tragicamente.
"Berlin Alexanderplatz" é realizado por Burhan Qurbani, que dirige o filme de forma intensa, viva e por vezes brutal, como é brutal a vida de um emigrante aliciado e por vezes perdido no submundo da noite berlinense. Por várias razões, um dos sérios candidatos ao Urso de Ouro.
Viagem à Rússia estalinista
O mesmo acontece também com o mais espantoso e poderoso filme da competição até agora, "Dau Natasha", da dupla russa Ilya Khrzhanovskyi e Jekaterina Oertel, que nos fazem recuar à União Soviética estalinista, num filme de duas horas e meia praticamente rodado em interiores, centrado na mulher que dirige o bar-cantina de um centro de estudos científicos. A chegada de um cientista francês vai desencadear uma sucessão de acontecimentos que refletem o pior que o regime totalitário da época representava.
Mas o filme, que faz parte aliás de um projeto multimédia já com cerca de uma dezena de anos e que se espalha por várias áreas artísticas, é também um notável trabalho de câmara, de utilização cénica dos espaços fechados e de interpretação, apesar de, ou precisamente por isso mesmo, ser interpretado exclusivamente por não atores, que suportam sequências brutais e explícitas de tortura física e psicológica e de sexualidade.
Argelina em documentário
Um dos aspetos mais interessantes do Festival de Berlim, historicamente, e em função do grande número de filmes exibidos nas várias seções, mais de quatro centenas no total, é a atenção que dá ao que se passa à nossa volta no mundo. Não admira pois que a situação política argelina seja o centro de "Nardjes A.", do brasileiro Karim Ainouz.
Autor entre outros de "A Vida Íntima", em exibição em Portugal, o realizador tem origens argelinas e chegou à capital do país, precisamente para fazer um documentário sobre o pai, alguns dias antes de 22 de Fevereiro, quando o povo argelino saiu à rua para dizer não ao quinto mandato do presidente Bouteflika, à frente de um regime militar que oprime o país e impede o seu desenvolvimento económico.
Desde essa data que os argelinos vêm para a rua todas as sextas-feiras, primeiro dia do fim-de-semana islâmico, e mesmo que tenham feito o governo recuar na candidatura, as eleições de dezembro nada alteraram e todo o país se continua a manifestar para exigir plena liberdade e democracia.
Depois de não conseguir filmar as primeiras manifestações com a sua câmara, Ainouz pegou num telemóvel, concentrou-se na jovem ativista que dá o título ao filme e criou um documentário poderosíssimo sobre uma realidade social e política aqui tão perto de nós mas que não tem encontrado suficiente mediatização para alertar a opinião pública mundial. É para isso também que serve o festival de cinema de Berlim.
Retomando a competição, um dos outros candidatos possíveis ao Urso de Ouro, além de Philippe Garrel, pela sua veterania e pelo culto à sua volta, o sul-coreano Hong Sangsoo apresentou o seu último filme, "A mulher que corre". Recorrendo uma vez mais à sua atriz regular, Kim Minhee, ao seu estilo minimalista, de planos longos onde um zoom a meio recoloca as personagens em jogo e a sua atenção pormenorizada ao humano, nesta pequena mas delicada história de uma mulher que aproveita um dia de saída do marido em negócios para visitar algumas amigas que vivem nos arredores de Seul. Um filme que poderá marcar lugar no palmarés do festival e que teremos oportunidade também de ver nas nossas salas.