De todas as edições do Barómetro JN Saúde publicadas até hoje (e já lá vão quase dois anos) esta é a que tem as opiniões mais divididas quanto a dois assuntos altamente polémicos: possibilidade dos enfermeiros prescreverem medicamentos e reorganização de competências hospitalares.
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Se quanto à primeira questão, os membros do painel consideram, maioritariamente, que os enfermeiros não têm formação para o fazer (Paulo Mendo é a voz contrária ao afirmar que os enfermeiros "não só podem como devem" prescrever), quanto à segunda pergunta há um leque de opiniões que fazem um bom retrato da complexidade do problema. O caso, em concreto, do fim da cirurgia cardiotoráxica do hospital de V.N.Gaia/Espinho é um exemplo, entre muitos, do que a medida do Governo significa e permite perspetivar o que aí vem
[perguntas]
[1] Os enfermeiros devem prescrever medicamentos?
[2] O Ministério da Saúde faz bem em reorganizar hospitais, retirando competências cirúrgicas a algumas unidades (como por exemplo V.N.Gaia/Espinho?
[respostas]
Isabel Vaz, presidente da Comissão Executiva da Espírito Santo Saúde
[1] Os enfermeiros vão assumir cada vez mais responsabilidades assistenciais. Contudo, a prescrição de medicamentos não é uma prioridade.
[2] A reorganização hospitalar deverá balancear critérios de criação de centros de referência em patologias complexas e uma não promoção de excessiva concentração nos grandes centros, sob pena de desestruturação da aquisição
de competências técnicas, em particular dos médicos, e prejudicar gravemente
os cidadãos fora de Lisboa, Porto e Coimbra.
Manuel Antunes, cirurgião toráxico e professor da Universidade de Coimbra
[1] Os enfermeiros fazem parte da equipa prestadora de cuidados onde cada profissional deve fazer aquilo para que foi treinado. Até agora esse treino não lhes foi dado. Quando for...
[2] Esta organização em 3 grupos de diferenciação teria mérito se tivesse sido bem pensada e não me parece que tenha sido. No caso referido, a eventual eliminação de 2 centros de cirurgia cardíaca seria catastrófica. O País tem os que necessita e os que ficavam não têm capacidade para suprir as necessidades.
Maurício Barbosa, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos e professor da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto
[1] Penso que o sistema de saúde precisa de novos modelos organizativos assentes em princípios de multidisciplinaridade e cooperação interprofissional, de modo a usufruir das competências dos diferentes profissionais.
[2] Há sempre opções difíceis e "trade-offs" quando se reorganiza a oferta hospitalar. Isso faz parte da reforma hospitalar, que urge. Mas os critérios da racionalidade não devem sobrepor-se aos da equidade e acessibilidade dos cidadãos aos cuidados de saúde.
António Ferreira, presidente do Conselho de Administração do Hospital de S.João
[1] A prescrição é um ato que depende do conhecimento e que tem de ser regulamentado e atribuído a profissionais credenciados, independentemente da sua filiação corporativa. Por outro lado, a prescrição, independentemente do grupo profissional em causa, deve ser condicionada a quem tem o conhecimento adequado, o que significa que se pode e deve permitir a possibilidade de prescrição condicionada a algumas situações e grupos de medicamentos.
[2] Sem discutir os casos concretos - uma vez que sou representante de parte interessada - defendo a necessidade óbvia de se proceder à reforma da rede hospitalar, concentrando serviços e encerrando outros.
Nuno Sousa, diretor do curso de Medicina da Universidade do Minho
[1] A prática assistencial é claramente multidisciplinar e deve ser assegurada por uma equipa. A prescrição de medicamentos é claramente uma tarefa que implica um conjunto de competências, que são típicas dos médicos.
[2] Importa analisar toda a rede, nomeadamente onde se devem localizar
os hospitais que mantenham todas as valências. (no caso concreto não faz sentido a existência de 2 Hospitais com essas características na cidade do Porto, onde habitam menos pessoas que em Gaia!)
Paulo Mendo, antigo ministro da Saúde
[1] Há muitos anos que a enfermagem deixou de ser a profissão de ajuda e subordinação aos médicos e, sim, uma profissão com autonomia e perfil profissional próprios preparada para o trabalho responsável especializado em equipa. Por isso, não só pode como deve.
[2] Os Hospitais são sempre reorganizados de acordo com criterios conjunturais. A reforma necessária é a da própria estrutura e vocação dos hospitais. Que é urgente, mas continua ausente dos programas ministeriais.
Purificação Tavares, médica geneticista, CEO CGC Genetics
[1] Os enfermeiros têm competências e áreas de responsabilidade importantes e bem definidas A responsabilidade de uma prescrição de medicamentos exige preparação e conhecimentos distintos, é recomendável não sobrepor competências.
[2] A gestão de recursos hospitalares é feita numa perspectiva de saúde pública e epidemiológica. Será difícil tomar medidas restritivas, se eventualmente necessário, sobretudo quando os serviços estão a funcionar bem - como no exemplo dado.
