A questão que está presente no título é colocada por Isabel Vaz, do grupo Espírito Santo Saúde, e merece reflexão. Não porque não haja virtudes nas Misericórdias mas porque seria impensável avançar-se para concessões de hospitais, entregando-os a gestões autónomas, sem concurso público. Qualquer outra instituição nacional teria este tipo de tratamento? O Estado é laico?
Corpo do artigo
A outra pergunta desta edição toca num ponto ultrasssensível - a do reforço da exclusividade dos médicos do Serviço Nacional de Saúde. E as respostas mostram como pode ser demagógico começar a decretar a exclusividade sem que o sistema (público e privado) esteja preparado para uma mudança abrupta, ainda por cima em tempo de crise. Por fim, o Barómetro da Saúde cai para a nota mais baixa desde que foi criado - 12. Em Junho de 2012 arrancou com 14.
[perguntas]
[1] Faz sentido reforçar a percentagem de médicos em regime de exclusividade no Serviço Nacional de Saúde?
[2] A transferência de alguns hospitais para a gestão das Misericórdias, desde que estas reduzam os custos para o Estado em 25%, é positiva ou apresenta riscos?
[respostas]
Isabel Vaz, presidente da Comissão Executido da Espírito Santo Saúde
[1] Ao contrário do que muitos políticos pensam, não é com estas medidas que se resolvem os problemas do setor. A exclusividade pode ser importante nalgumas situações e não ser noutras. Depende.
[2] A questão não é essa. O que está a ser feito com essa transferência é concessão de serviços públicos de saúde sem concurso! Portanto, o que devemos questionar é a transparência destes processos e, sobretudo, exigir o mesmo rigor nos mecanismos contratuais, por exemplo, às PPP da saúde.
esta ideia. Mais do que a exclusividade dos médicos do SNS, o que é essencial é que haja transparência na relação de trabalho e que ambas as partes cumpram escrupulosamente as suas obrigações.
[2] Riscos, há sempre. Acho que vale a pena tentar. O Sistema de Saúde deve garantir à população os cuidados hospitalares, independentemente dos modelos adoptados. O Estado deve exercer com rigor as funções de regulador e supervisor, fixando as regras para públicos e privados.
Manuel Antunes, cirurgião toráxico e professor da Universidade de Coimbra
[1] Em minha opinião, o objetivo deveria ser (quase) TODOS em exclusividade. A ideia é a separação completa do público-privado. Naturalmente, isso não pode ser feito amanhã; tem de ser conseguido de modo progressivo.
[2] Historicamente há pequenos hospitais, geralmente em zonas mais remotas, que nasceram das misericórdias. O retorno a estas instituições, aí instaladas, a fornecer outros serviços de carácter social, pode muito bem ter benefícios de organização compensadores.
António Ferreira, presidente do conselho de administração do Hospital de S.João
[1] O que faz sentido é reformar todo o edifício legislativo que enquadra a atividade de todos os grupos profissionais de saúde do SNS. Esta reforma deve retirá-los do funcionalismo público, permitir a implementação de políticas adequadas de gestão de recursos e apostar na autonomia das instituições de saúde. Medidas avulsas do tipo proposto não mudam nada.
[2] O encerramento de hospitais redundantes e ineficientes é positivo e absolutamente necessário para a sustentabilidade do SNS. Entregar essas unidades às Misericórdias, mantendo o financiamento do Estado, prejudicará (muito mais que o simples encerramento) as condições de acesso dos cidadãos à saúde, agravando os fenómenos de seleção adversa que já ocorrem noutras unidades com gestão privada.
Nuno Sousa, diretor do curso de Medicina da Universidade do Minho
[1] Sem dúvida. Mais faria se os que trabalham para o SNS estivessem todos em exclusividade por forma a evitar conflitos de interesse.
[2] A demissão de responsabilidades do Estado no SNS, nomeadamente ao nível da gestão clínica, é preocupante.
Purificação Tavares, médica geneticista, CEO CGC Genetics
[1] Irrelevante. A prioridade é assegurar bons profissionais, boa formação aos mais novos e a prestação de um bom serviço.
[2] Nada a opor, nas instituições privadas o controlo e o desempenho podem ser bem superiores e contribuírem para a redução da despesa do Estado.
Paulo Mendo, antigo ministro da Saúde
[1] Evidentemente que sim. Trata-se de um regime cuja legislação inicial tem 30 anos (Dec-lei 310/82), obrigava a 45 horas semanais com um aumento substancial de salário e de contagem de tempo para a reforma. Quanto a mim, seria, se pudesse ter sido generalizado e não só voluntário, o mais adaptado às necessidades de então e à desejada excelência atual do SNS.
[2] Só analisadas caso a caso. Nada justifica, nem é exequível a imposição, no tempo, de custos menores para o Estado!
