O folclore das praxes boas/más continuará mais uns tempos mas o que ficará para a história é se Portugal mantém ou não os cientistas por cá. É uma decisão estrutural conseguir-se um equilíbrio entre o que as Universidades fazem e o que as empresas precisam em investigação e desenvolvimento
Foi Manuela Ferreira Leite quem disse na TVI24 que empurrar o essencial do dinheiro da ciência para as empresas era uma forma de ir financiar os grandes grupos empresariais - porque são os que conseguem contratar doutorados e aproveitar os subsídios para ter departamentos dedicados à investigação. É um ponto de vista que merece reflexão. Do outro lado da balança existe uma franja de profissionais da investigação sem ligação à realidade. Escrutinar entre o certo e o errado dava muito jeito. Mas isso o Governo raramente faz.
[perguntas]
[1] As praxes universitárias são uma prática que deve ser legalmente impedida?
[2] Nos novos fundos comunitários 2014-2020 a opção do Governo em entregar às empresas as principais verbas da investigação científica é a mais acertada?
[respostas]
Albino Almeida, conselheiro nacional de Educação
[1] Para já, suspensas! Depois responsabilizar! O que vemos no espaço público, fora das universidades, é degradante!
[2] Não, não é! A investigação científica não pode ser só geradora de desenvolvimento das empresas!
Braga da Cruz, presidente da Fundação de Serralves
[1] As praxes deixaram de ser rituais de acolhimento, tornando-se em manifestações de humilhação, sem sentido. Se não respeitam princípios democráticos, há que as regular para evitar comportamentos desviantes e gratuitos.
[2] Faz todo o sentido que o esforço de investigação se aproxime da estrutura produtiva. É urgente que as empresas integrem o conhecimento produzido e que se estimule a entrada de investiga-dores nos quadros das empresas.
Joaquim Azevedo, docente da Escola das Artes da Católica Porto
[1] Não, a praxe é que tem de impedir os abusos, inequivocamente, não é isso que hoje acontece.
[2] Não, só a cooperação é um caminho de futuro.
Rui Reis, investigador e professor catedrático na Universidade do Minho
[1] Não sou adepto das praxes. Elas tendem a prolongar-se por diversos meses perturbando as atividades letivas. Algumas são violentas e humilhantes. As Universidades não deveriam permitir praxes no interior da suas instalações.
[2] Todo o edifício científico está em grave crise e muito do que foi construído pode ser destruído. Os fundos devem ficar nas regiões sem spill-overs! Não devem ser concentrados nas PMEs que não têm estruturas de investigação e recursos humanos qualificados capazes de gerar vantagens competitivas. Há que fomentar projetos do sistema de C&T em parceria com empresas, tal como é prática no Norte da Europa e nos projetos Europeus, que gerem inovação, propriedade intelectual e impacto na economia. Mas nenhum país evolui se não investir na excelência.
Maria Arminda Bragança, vice-presidente Federação Nacional de Educação
[1] A praxe académica foi várias vezes interrompida, quer por motivos políticos, quer por excessos verificados na sua prática. Se o espírito lúdico e de acolhimento estão, neste momento postos em causa por uma violência e humilhação inexplicáveis, deverão ser suspensas legalmente.
[2] O governo demonstra uma enorme inabilidade ao decidir sobre uma questão tão importante, sem um debate sério e diálogo com os interessados. Gerir recursos sim, mas de modo equilibrado e planificado!
Marques dos Santos, reitor da Universidade do Porto
[1] Os atos violentos e a coação associados à praxe são intoleráveis e como tal são já, regra geral, proibidos nos campus universitários e são crimes tipificados no nosso ordenamento jurídico.
[2] Não. Poucas empresas têm estruturas para realizar investigação e desenvolvimento. As empresas devem ser muito apoiadas através de projetos conjuntos com universidades e institutos de I&D que sejam de real interesse para elas. Mas apoiar também a investigação sem aplicação em vista.
Rui Teixeira, presidente do Instituto Politécnico de Viana
[1] Os ritos aviltantes de tirania e submissão, de ofensa à dignidade das pessoas devem ser denunciadas, julgadas e penalizadas, segundo a lei em vigor. As praxes que respeitam, que integram, que brincam, que se dão à solidariedade, aquelas das quais não se fala, devem ser incentivadas.
[2] Não. Devem ser financiados apenas os projetos que resultem da aprovação consensual entre o poder político, os players sociais e o sistema científico e tecnológico (a chamada tripla hélice).
