
Ensaio da Banda Sinfónica da PSP nas instalações da Unidade Especial de Polícia, em Belas, Lisboa
Rita Chantre/Global Imagens
A Banda Sinfónica da PSP foi oficializada em 1981 mas já existe há mais de um século. Foi a primeira banda das Forças de Segurança e Forças Armadas portuguesas a admitir mulheres. Após 17 anos, entre 2002 e 2019, sem receber novos músicos, voltou a abrir vagas em 2019.
A Vienne do compositor húngaro Frigyes Hidas chega-nos pelos corredores através do som cristalino e singular dos clarinetes que o início da música exige. Após alguns compassos, juntam-se os fagotes e só depois entram as trompas, as tubas, as flautas transversais, os saxofones, os eufónios, o oboé, os violoncelos e os contrabaixos. Os instrumentos de sopro e corda ecoam pela sala de ensaio, fazendo-nos esquecer por momentos que estamos nas instalações da Unidade Especial de Polícia, em Belas, Lisboa.
É ali que, desde 2009, o maestro principal subintendente Ferreira Brito dirige a Banda Sinfónica da PSP com o domínio e a destreza próprias de quem acompanha a formação há mais de uma década. O que vê à frente só é possível graças à persistência e vontade dos seus antecessores, que lutaram por profissionalizar o grupo musical que hoje é falado em todo o mundo. A primeira banda militar a admitir mulheres, em 1982, tem hoje 92 músicos, entre os 19 e os 63 anos, dos quais dez mulheres, e está a rejuvenescer.
Durante 17 anos não foram abertos concursos para acolher novos elementos na banda da PSP. Ferreira Brito não avança os motivos, explica apenas que estão relacionados com "questões internas de gestão da instituição". "Entre 2002 e 2019 não entrou ninguém, só saíram. A média etária era à volta dos 50 anos. Desde que voltou a haver concursos tem havido uma grande adesão", explica. No primeiro concurso, em 2019, houve mais de 70 concorrentes para dez vagas, no segundo concorreram 50 e ficaram oito, e neste momento está a decorrer outro concurso para o qual se candidataram mais de uma centena de músicos.
O aumento do interesse pela banda que o número de candidaturas reflete é, para o maestro principal, "um sinal de que o grupo atingiu uma maior visibilidade e um patamar de reconhecimento elevado". Hoje, a qualidade dos músicos também é maior. Para concorrerem têm de passar também, desde há três anos, nas provas de ingresso, físicas, médicas, psicotécnicas, como qualquer outro polícia, e musicais, "extremamente exigentes". Apesar de não ser pedida formação universitária há "uma grande percentagem de licenciados" nos quadros da banda.
O Chefe Adjunto e maestro assistente subcomissário Pedro Ferreira, que auxilia o maestro principal há um ano, diz que "as condições de acesso já exigem um nível técnico muito alto, como se fossem concorrer para a orquestra da Gulbenkian ou da Casa da Música". "A exigência que estamos a ter e o trabalho diário são muito similares a qualquer uma dessas orquestras. A nossa banda é falada em todo o mundo. Temos feito gravações para a editora holandesa Molenaar que são referências para outras bandas", congratula-se.
Para o maestro adjunto "há muita procura de licenciados porque a maior parte deles não tem onde tocar". "Orquestras portuguesas reconhecidas têm muitos músicos estrangeiros. Têm aqui uma oportunidade", observa.
"De parente pobre a nível de excelência"
Não se sabe ao certo quando a Banda Sinfónica da PSP surgiu, apenas que se apresentou publicamente pela primeira vez em 1926. Começou de forma amadora, com polícias que se juntavam esporadicamente nas folgas para tocarem, sendo considerada na altura "parente pobre das bandas profissionais portuguesas".
Ao longo dos anos os maestros notaram que a qualidade musical ficava aquém das outras bandas militares e sentiram necessidade de oficializar o grupo. Em 1979 e 1980 os polícias começaram a ser afetos apenas à banda e em 1984 oficializou-se. "No fundo é uma banda centenária a comemorar 40 anos", explica o subintendente Ferreira Brito. Este é o primeiro ano que comemora o seu aniversário precisamente para assinalar "um novo ciclo".
João Milheiro, 25 anos, toca trompete e é o elemento mais novo da banda. O músico, natural de Santa Maria da Feira, viu na Banda Sinfónica uma oportunidade de fazer o que realmente gosta numa área em que há poucos lugares.
"As saídas profissionais são sempre no estrangeiro. Para estar em Portugal a fazer música profissionalmente temos de estar nas bandas oficiais militarizadas. Se não fosse a PSP teria enveredado pela área de ensino, mas o que queria era mesmo tocar. Poder tocar música diariamente é um privilégio muito grande", explica o músico, com mestrado na área.
Na flauta transversal, Cândida Rosa, 61 anos, é a mais antiga. Desde 1984 na banda vê com orgulho a entrada de mais polícias nos últimos anos. "Há muito tempo que não acontecia e foi muito importante para a banda. Havia muitas falhas nos naipes e o leque de músicos era cada vez mais pequeno. Houve um concerto que cheguei a fazer sozinha", recorda.
Cândida nota ainda que hoje a banda é mais reconhecida e elogia a oficialização. "Quando entrei nem havia uma grande consciência do que era uma banda sinfónica profissional, mas hoje cada vez mais notam a nossa existência. Com a profissionalização, temos professores de música na banda que não tinham onde tocar e assim conseguiram colmatar essa frustração", explica.
Repertório do jazz ao rock
O repertório também evoluiu ao longo dos tempos e atualmente a banda acompanha artistas dos mais diversos géneros musicais, do fado ao rock passando pelo jazz e música ligeira. "No início estavam na moda as grandes transcrições de obras sinfónicas como Beethoven, Franz Liszt, Richard Wagner, entre outros. Com o aparecimento de novos compositores começaram a ser apresentadas obras compostas originalmente para bandas. Também temos algumas dedicadas à nossa banda", explica Ferreira Brito.
Cândida Rosa confirma. "Evoluímos muito nos últimos anos em termos de repertório. Na altura [em que entrei para a formação] era mais simples e amador e agora é muito mais desafiante e gratificante, com compositores que escrevem originalmente para a banda".
A Banda Sinfónica já acompanhou os fadistas Carlos do Carmo, António Pinto Basto e Raquel Tavares, os cantores André Sardet e Maria João, ou os grupos D.A.M.A e Anjos, e convidou maestros reconhecidos para atuações. A banda da PSP também avançou na criação de concertos dedicados a crianças, dos seis meses aos oito anos, os Concertos de Palmo e Meio, em 2012.
Atuou em grandes auditórios como o Centro Cultural de Belém, a Casa da Música, o Teatro de São Carlos, Gulbenkian, entre outros, e já registou 17 discos para editoras nacionais e estrangeiras. Lá fora, esteve no 7.º Festival Internacional de Bandas, em 1997, em Saumur, França, e, em 2000, no 5.º Festival Internacional de Bandas, em Saint-Étienne, no Teatro de Massenet. Em 2005, no Centro Cultural Olga Cadaval, acompanhou os saxofonistas Claude Delangle, Mário Marzi, Henk van Twillert e o quarteto Saxofínia.
Em 2020, apesar da pandemia covid-19, ainda conseguiu realizar 67 atuações. Desde a fundação toca em escolas, lares, creches, cerimónias policiais ou protocolares com a Presidência da República e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, entre outras. "Vamos a todos os aniversários dos comandos distritais de polícia e nunca tínhamos celebrado o nosso", confessa o subintendente Ferreira Brito.
