
"Quando a família é o único abrigo", óleo sobre tela de Malak Mattar
D.R.
Exposições de pendor eminentemente político colocam em destaque obras de Ben Caldwell e de Malak Mattar.
O MU.SA - Museu das Artes de Sintra, contíguo ao edifício do Centro Cultural Olga Cadaval, é um centro de exposições, tutelado pela Câmara Municipal de Sintra, que ocupa o edifício do antigo casino, originalmente projetado por Manuel Norte Júnior (1878-1962), um dos arquitetores mais reconhecidos do chamado ecletismo português e o autor das Avenidas Novas, em Lisboa. O casino inaugurou em 1924 e a transformação para espaço museológico abre ao público em 2014.
Uma das curiosidades do MU.SA, atualmente, reside no facto de ter um espaço totalmente dedicado a Pedro Cabrita Reis (n.1956), com obras site specific e em que o artista estabelece uma relação de influência entre a sua pintura e a paisagem de Sintra, natural e construída pelo homem do Romantismo.
Mas a ousadia do MU.SA vai para além deste espaço, ou de exposições individuais de artistas relacionados com o território, cumprindo a sua função de serviço da comunidade artística residente. Por estes dias, tendo como enquadramento o LEFFEST"22 - Lisbon & Sintra Film Festival (que decorreu entre 10 e 20 de novembro de 2022), da programação do MU.SA destaco duas exposições de pendor eminentemente político.
Comecemos por "L.A. Rebellion. Uma viagem com Ben Caldwell através da história e legado do movimento" que se trata de uma retrospetiva, através de registos fotográficos e da prática artística de Ben Caldwell (n.1945) ao que foi o movimento de cinema independente negro, nas décadas de 1960 e 1970, acompanhando as lutas pelos direitos civis. Terão sido 18 os filmes integrados no movimento e esta exposição, que acompanhou a grande mostra de filmes na edição do festival de cinema de Lisboa e Sintra, é uma das mais representativas que a Europa viu, acompanhando um período em que, nos EUA, depois da regressão trumpista, todos os valores de igualdade parecem ter sido postos em causa. No MU.SA destaque, por exemplo, para as imagens que retratam a atriz Pamela Jones e o diretor Larry Clark, conhecidos pelo aclamado Passing Through, um excecional filme sobre jazz e que foi galardoado com o Prémio Especial no Festival Internacional de Locarno, em 1977. Ou, então, imagens e documentos das realizadoras, mulheres, Barbara McCullough, uma das que melhor exprimiu a essência da comunidade afro-americana; e da nigeriana Ljeoma Ltoputaife, colega de Ben Caldwell na UCLA (escola determinante para a formação de uma geração) e que assinou filmes como African Women USA (1980).
A exposição é uma oportunidade única para conhecer este capítulo da história do cinema e que é um exemplo da valorização do outro pela criação artística, pelo que de melhor se faz, obrigando os públicos a sair da zona de conforto e dos pré-conceitos raciais.
Também a acompanhar a programação paralela ao LEFFEST"22, está patente a exposição "Arte entre Ruínas: Sublimação Artística na Faixa de Gaza" com trabalhos da jovem palestiniana Malak Mattar (n.2000) que se evidenciou pela sua pintura e textos produzidos na Faixa de Gaza, o epicentro do conflito Israelo-Palestiniano, ou seja, numa das regiões mais conturbadas e policiadas do mundo.
Nas palavras da artista, ela "não pinta apesar da guerra e ocupação; [mas sim] por causa dessa guerra e ocupação". Critérios de análise plástica à parte, a presença desta exposição é um dos sinais da ousadia do MU.SA, capaz de ultrapassar o lobbie e de expor uma palestiniana, alguém que é parte de um povo oprimido por outro com o qual quase todos são coniventes. Os textos, que acompanham as obras, são altamente comoventes e fazem-nos pensar sobre a fragilidade da vida e sobre a forma como tudo é relativo quando a morte do vizinho faz parte das notícias das manhã.
