A celebração das duas décadas de carreira do rapper português vai acontecer em cima do palco. Esta sexta-feira é em Lisboa e sábado no Porto.
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"Valete - 20 anos" chega aos coliseus: hoje é em Lisboa e amanhã repete-se a dose no Porto. Quatro anos depois do último concerto, o rapper, letrista, músico e produtor Valete, nome artístico de Keidje Torres Lima, de 41 anos, regressa aos palcos para a celebração de duas décadas de carreira. Valete conversou com o JN e olhou para a cultura de que faz parte, para o início da carreira e para "a fase de cura" em que afirma estar.
"Acredito que a melhor forma de tocar as pessoas e de participar no Mundo e na sociedade é curar-me, tornar-me uma boa pessoa", diz. De fora, não podia deixar ficar a experiência de, 16 anos depois, publicar um tão aguardado novo disco.
O que devemos esperar do concerto dos 20 anos?
Vai ser uma viagem. Agora tenho melhores condições técnicas para realizar o que está na minha cabeça. E tenho a preocupação de que não seja um concerto unidimensional. Não pode ser só música, porque a cultura hip-hop apresentou-me sempre uma panóplia de artes diferentes, desde o grafíti às danças. Vou fazer esta tentativa de levar tudo isto para o palco e de criar algo multidimensional. Mas quero fazer tudo isso com muita humildade, sem ser pretensioso.
Como estão os fãs a reagir ao seu novo EP?
Não há a escolha de um som. O pessoal está a ouvir o EP todo e todos os sons estão com a sua audiência, o que é muito bom.
16 anos depois, é um "Aperitivo" para o que aí vem?
Obviamente quero lançar álbuns, continuo a trabalhar no "Em movimento". Mas diria que é um aperitivo também por ter conseguido chegar a um estágio no qual eu me considero músico. Durante muito tempo considerava-me só um rapper e um letrista. Agora já tenho capacidade de fazer canções muito competentes.
Este EP é mais emocional, mas daqui para a frente também podemos voltar a ver o Valete "incendiário" dos dois primeiros discos?
Sim, para mim é muito importante eu não me tornar unidimensional. Creio que os grandes artistas são multidimensionais e eu quero ser isso. Acredito que a melhor forma de eu tocar as pessoas e de participar no Mundo e na sociedade é curar-me. Tornar-me uma boa pessoa. Se eu resolver tudo o que eu tenho cá dentro, vou ter mais capacidade de afetar os outros. É nessa fase que estou neste momento. Desde há dois anos para cá que escrevo todos os dias, três horas por dia. Mas não escrevo rap, escrevo reflexões, crónicas e até estou a tentar escrever uma novela.
Olhando para o Valete de 2002: não se ter curado primeiro é uma das críticas que faz a si mesmo?
Com o passar dos anos até vou gostando mais desse Valete antigo. Já tive uma relação muito difícil com ele. Era bem mais novo e nós fazíamos coisas sem condições nenhumas, sem dinheiro, com muita resistência da indústria musical, eu vinha dos subúrbios de Lisboa, com um grande atraso intelectual e académico. Tudo o que eu dei ali era tudo o que eu podia dar, não podia fazer melhor.
Como é que avalia o hip-hop dos últimos 20 anos?
Hoje está tudo muito diferente. As pessoas têm uma relação com a música muito mais frívola. Estás numa era de numerologia, em que os números ditam tudo, e eu não senti essa pressão ao crescer. Quando era novo não havia YouTube, não sabias o valor de uma música, tu fazias porque estavas a curtir. E tudo fluía naturalmente. Agora [os mais novos] rapidamente querem chegar aos holofotes e ter carreiras profissionais. Isso está a afetar muito o hip-hop. Musicalmente, o rap é bem melhor atualmente. As canções são melhores, mais agradáveis. Mas liricamente? Nunca estivemos tão mal. Há muita pobreza lírica. Tens muito poucos rappers pensadores, que problematizem nesta arte o que se passa à volta deles.
E como vê a música nacional?
Este é o momento mais crítico da música portuguesa: 99% não chega às pessoas. A música portuguesa está a morrer. E os músicos estão a acreditar que a única forma de a salvar é fazer música clássica. Não é. Mas não há ninguém, nem no Ministério da Cultura, que esteja a pensar neste problema.