"Let Me Entertain You" foi o pedido que Robbie Williams fez no início do concerto, num primeiro dia de Rock in Rio que arrancou demasiado morno até à chegada do "Mr. Entertainment" para agitar as hostes. Ivete Sangalo encerrou a noite com a energia contagiante com que há 10 anos brinda o Parque da Bela Vista.
Corpo do artigo
Ele surgiu triunfante e airoso, trajado de fraque qual grilo, as mãos arrumadas em luvinhas brancas - e ajoelhou-se com braços erguidos ao céu para receber o calor do aplauso. Robbie Williams, rei e senhor da noite, foi o único a acender euforia. "Let Me Entertain You", "Let Love Be Your Energy" e "Monsoon" agitaram a multidão de 60 mil pessoas em frente ao palco principal, mas foi "We Will Rock You", dos Queen, que levou o público ao delírio.
Tire-se-lhe o chapéu: o homem soube construir um espetáculo, prender o público e aniquilar as reservas dos mais céticos. Escoltado por uma banda competente, Robbie Williams conseguiu gerir uma ementa deleitosa que cruzou êxitos seus - "Kids", "Candy" ou "Feel" - com canções da pop imortal como "Walk on the wild side" (do eterno Lou Reed), "I still haven't found what I'm looking for" (U2), "New York, New York" (Sinatra), "Wonderwall" (Oasis), "Shout" (Isley Brothers) ou "Song 2" (Blur).
Mas nada disto foi feito ao pontapé ou a despachar em piloto automático. Ele conseguiu domar o povo, gerir as energias e expectivas, desconstruir os momentos mais óbvios e aviar delícias sem soar a um mero espertalhão oportunista que se socorria do repertório dos outros.
No final até provocou a plebe ao ameaçar que ficaria "really fucked up" se com ele não cantassem a letra de "Angels" - e milhares de gargantas juntaram-se à dele. E tudo fez sentido. Robbie Williams saiu de cena triunfante. E o público com o coração cheio.
Foi com esta sensação que a plateia recebeu a veterana Ivete Sangalo, a única artista que marcou presença em todas as edições do Rock in Rio Lisboa. E o momento foi de dupla celebração: o festival celebra o 10.º aniversário em Portugal e a cantora comemora 20 anos de carreira. "Tira o pé do chão" é palavra de ordem para o público se baloiçar ao som de "Tempo de Alegria", contagiado pela presença e ritmos quentes da baiana.
"Boa noite, portugueses gostosos. Vamos fazer desse Rock in Rio o verdadeiro Carnaval". E não ficou muito longe da realidade. O público sabe as letras na ponta da língua e reproduz as coreografias entre muitos saltos e palmas, que a própria estimula: "sai do chão", "bota a mão em cima", "para baixo". Não para nem deixa o público arrefecer.
"Estavam falando que está muito frio e eu disse que não há frio onde Ivete Sangalo está", assegurou, em frente à multidão encasacada que contrastava com o seu diminuto vestido cintilante. Em palco, a presença é sedutora e divertida. Faz poses para os fotógrafos, dança com um operador de câmara, tudo com a naturalidade festiva que o público aprecia.
Entre "Acelera Ae", "Arere" ou "Base do Beijos", também houve tempo para uma versão de "Could You Be Loved", de Bob Marley, ou "Careless Whisper", de George Michael - canções que enterneceram os corações mais sensíveis e abriram caminho para "Quando a chuva passar".
Para o fim ficou o hino "Sorte Grande" (Poeira), celebrado junto do público que agitava bandeiras e cartazes e esticava os braços para tentar alcançar a "rainha do axé".
Na despedida, e já sem os saltos altos com que dançou durante uma hora e meia, exibiu a camisola de Cristiano Ronaldo e enviou-lhe um beijo, fazendo referência ao feito futebolístico do fim de semana.
O regresso a Portugal está prometido para março de 2015.
A estreia da britânica Paloma Faith em Portugal marcou o entardecer no Parque da Bela Vista. Com "A Perfect Contradition" lançado recentemente, Faith arrancou com "Mouth to Mouth", desfiando canções do novo disco num registo soul competente mas que não chegou para aquecer o ambiente no recinto.
Logo ao início, aviso à navegação: "Estou um pouco doente hoje, mas a vida é para viver". O público aplaudiu o esforço e a mensagem, lida num português suficientemente compreensível.
Pharrel Williams ouviu-se em "Can't Rely on You" - canção que escreveu e produziu para a britânica - e Van Morris foi evocado em "Crazy Love", canção que Paloma Faith transportou da sua infância para o palco do Rock in Rio. Com um sorriso simpático e palavras calorosas para com a plateia, Faith conseguiu ser cativante, mas o seu repertório está longe de fazer parte do conhecimento do público.
As primeiras horas do Rock in Rio foram de uma certa calma. As portas abriram às 16 horas e a população desatou à caça dos brindes, sistematizando-se em vagarosas filas para utensílios como chapéus de palha, poltronas insufláveis (a bicha aqui ia quase até Alverca) ou leques, esses apetrechos de grande utilidade tendo em conta a ventania assinalável. O ambiente era morno e o público asseado, amansado, pouco ou nada rockeiro.
Musicalmente falando pouco ou nada entusiasmou. O palco Vodafone abriu com The Hound, um rock inconsequente cantado num inglês tosco. Melhorou logo a seguir com Cais Sodré Funk Connection, uma razoável máquina de funk e soul mas sem conseguir saltar para lá da previsibilidade. Até às 19 horas, a melhor música ouvida na Cidade do Rock era proveniente de uma fanfarra que passeava pelo recinto enquanto tocava "Paint it Black", dos Rolling Stones, com trompetes, tubas e trombones.
A abertura do palco principal, situado em frente a uma gigantesca concha impecavelmente verde, ficou a cargo de Boss AC coadjuvado pela cantora Aurea. Foi uma curta actuação que foi recebida sem grande entusiasmo pela assistência e só "Sexta-feira", do rapper, desencadeou algum comprazimento.
O Rock in Rio regressa na quinta-feira, dia em que receberá os icónicos Rolling Stones, e prossegue até dia 1 de junho. Pelo Palco Mundo do festival passarão ainda os Queens of the Stone Age, Lorde, Linkin Park, Arcade Fire ou Justin Timberlake.