Zidrou e Monin emocionam e obrigam a reflectir com uma história terna e perturbadora que nos faz questionar a paternidade a partir de uma adoção.
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"Todos sonhamos com histórias que acabam bem", lê-se a certa altura em "A adopção", mas a tendência é procurar a felicidade nos outros, no acessório, no que está longe, como se aquilo que nos rodeia, que está à nossa beira, não pudesse suprir - mais plenamente - esse nosso anseio.
Zidrou, um dos grandes argumentistas franco-belgas atuais, tem sabido transmitir, de forma única e sensível, ternura, amor, cuidado pelos outros, harmonia familiar - alguns dirão o melhor do ser humano - de uma forma tão tocante que não nos deixa indiferentes.
"A adoção", é mais um relato comovente e sincero que nos obriga a parar, a pensar no que estamos a fazer - a limpar aquela lágrima que veio espreitar no canto do olho.
A história arranca após um terrível terramoto no Peru, quando Alain e Lynette chegam daquele país, trazendo Qinaya, uma orfãzinha de quatro anos. Para os seus familiares, é um momento de alegria, para mais porque o casal nunca conseguiu ter filhos. Para quase todos porque para Gabriel, que nunca teve tempo para ser o pai de Alain, aquele acontecimento é apenas prenúncio de um "verão de caca", antevendo a destruição das suas pequenas rotinas e do modo de vida a que se acostumou.
Se muitos já começam a imaginar o desenrolar da narrativa, dentro de certos padrões (até) lamechas e a puxar ao sentimento, aparentemente Zidrou faz-lhes a vontade, conduzindo "A adoção" pelo caminho da aproximação entre a menina e o (novo) "avô". Mas, com este escritor, raramente as coisas são exatamente o que parecem e a meio do relato, um acontecimento inesperado vai alterar completamente os princípios que o pareciam balizar
A ternura dá então lugar a outros sentimentos e Gabriel, sem o saber, vai embarcar numa viagem iniciática e de procura de si mesmo e daquilo que durante anos escondeu no mais fundo de si.
O traço de Arno Monin - e que bem que Zidrou escolhe sempre os seus parceiros - é semi-caricatural, agradável e muito expressivo e, servido por um colorido aconchegante, combina na perfeição com uma história que sucessivamente nos surpreende, emociona e choca, mas também nos deixa mais próximos do tal "acabar bem", mesmo que, raramente, saibamos o que é "acabar" e o que é "bem".
A Adopção
Zidrou e Monin
Ala dos Livros
144 p., 29,90 €