Cristina Planas Leitão apresentou no END - Encontro de Novas Dramaturgias uma reflexão pertinente sobre o capitalismo.
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Todos estamos disponíveis para cumprir ordens, num sistema capitalista que aponta ao crescimento infinito
No Sistema que Cristina Planas Leitão criou, começa-se a obedecer logo no foyer do teatro, quando nos mandam preencher uma folha em que reconhecemos uma série de riscos inerentes à participação no espetáculo. Isto porque, a performance que fechou, esta quarta-feira, a fase vimaranense do END - Encontros de Novas Dramaturgias, no Centro Cultural Vila Flor (CCVF), arregimenta o público como agente ativo. A plateia é apenas um lugar de passagem, tudo acontece na caixa de palco, de cortina fechada.
[O Sistema] é uma reflexão a propósito do capitalismo, da forma como se organiza o trabalho neste tipo de sociedade e sobre a possibilidade de solidariedade e de revolta do coletivo que vai fazendo o que lhe é mandado. Da mesa técnica, onde sentam a coreógrafa, a designer de luz ngela Geada, e os sonoplastas Ricardo Cabral e José Miguel Silva, vão saindo as ordens a que chegam as performers ( ngela Diaz Quintela, Mara Andrade e Daniela Cruz) por auriculares. O público não ouve o som, o conhecimento que tem das diretrizes é mediado pelo Google Translator - outro sistema, um que nem a pessoa que está a dar as ordens controla. O algoritmo não reconhece tudo o que é dito, de forma que a informação que chega ao público tem uma relação com o que foi dito, mas não é necessariamente exata (as informações falsas e o que elas causam aos sistemas).
O objetivo é a construção de uma torre de pedras, num ambiente opressivo que invoca as profundidades de uma mina húmida. As três performers respondem fisicamente às ordens: carregam pedras, agrupam-nas, empilham-nas numa pirâmide cujo limite de crescimento está limitado a partir da base. Não se questionam, não resistem, não se reúnem, vão trabalhando, mas é óbvio para quem observa que o fim está traçado. No limite, não é possível empilhar mais pedras - não é possível manter um sistema assente no crescimento infinito. Nessa altura, só resta um grito e deitar tudo abaixo.
Uma última reflexão, já depois do cair do pano (embora, neste caso, o público também esteja atrás da cortina), sobre a disponibilidade que todos temos para obedecer: “limpem tudo, levantem as alcatifas, arrumem as cadeiras”.
A 6ª edição do END arrancou em Guimarães no dia 18 e segue, de sexta até dia 23, para Coimbra.