Quatro décadas depois, é "a mesma casa, sempre a mesma casa" que continua a perseguir Eduardo Souto de Moura.
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"Ainda não sei qual é. No dia em que souber, paro", disse na quarta-feira aos jornalistas na apresentação de "Memórias, projetos, obras", a ampla exposição que vai estar patente na Casa da Arquitetura (CdA), em Matosinhos, entre sexta-feira (18) e setembro de 2020. A mostra coincide com a exposição "in/disciplina", que Serralves dedica ao outro prémio Pritzker português, Álvaro Siza.
A partir do espólio cedido pelo arquiteto à CdA, foram selecionados 40 projetos. "Mais difícil do que escolher, foi excluir", resumiu Nuno Graça Moura, curador da exposição, com o historiador italiano Francesco Dal Co, referindo-se às mais de 600 maquetas e 8500 peças a que teve acesso pleno.
Projeto incontornáveis
Na ampla nave, com 950 metros quadrados, perfilam-se maquetas, fotografias e testemunhos documentais referentes a três dezenas e meia de projetos de Souto de Moura. Lá estão os seus trabalhos incontornáveis. Como o Estádio Municipal de Braga, "a obra de que mais gosto", confessa, mas também "a que está mais amaldiçoada". "Agora está a ser mal recebida. Querem vendê-la, dizem que está a cair, mas não querem é pagar", criticou.
Habituado à polémica, afirma até ter estranhado a unanimidade à volta da Casa das Histórias, em Cascais. "Nunca encontrei ninguém que não gostasse do projeto", revelou, tecendo elogios à artista Paula Rego, "uma boa cliente", pela ausência de caprichos e exigências excessivas.
Uns metros adiante encontra-se o projeto que concebeu para as estações do Metro do Porto, a que está a dar continuidade, com a prometida expansão da rede. O projeto é também dos seus preferidos, a que não será alheio o intenso uso social que tem. Afinal, "meio milhão de pessoas tocam todos os dias nos corrimões que projetei".
Uma réplica do ateliê
Se o núcleo principal da exposição é "a parte boa" da profissão, a Galeria da Casa mostra-nos outra perspetiva, "o processo que decorre até ao trabalho final", explica o arquiteto.
Neste espaço de 150 metros, tudo foi feito para replicar o ambiente original do seu próprio ateliê. Com fotografias de Mies van der Rohe, os seus "santinhos", afixadas nas paredes, todo o espaço disponível alberga os projetos atualmente em execução - como o mercado municipal de Amarante, uma adega no Douro, uma renovação da Estação de São Bento. Não falta sequer um projeto para uma pequena casa, a sua, que quer construir num terreno herdado da sua mãe, embora tenha "dúvidas" de que algum dia vá mesmo ser construída.
É provável que o visitante venha a deparar-se com o próprio Souto de Moura em pleno trabalho, porque admite passar pelo ateliê provisório, "aos sábados de manhã". O objetivo, todavia, não é tanto "mostrar como trabalho, mas dizer o que é preciso fazer para chegar até ao presente".
A exposição só agora vai poder ser vista pelo público, mas para o laureado arquiteto o seu trabalho prévio está feito. Agora é tempo de "repousar", depois de, nos últimos meses, ter participado de forma ativa na sua preparação.
Olhando para o primeiro e último trabalho representados, vê uma espécie de círculo que se fecha. São ambos uma casa em pedra, "o material do futuro". "Não teme o espetro da repetição?" - perguntamos-lhe. A resposta sai sibilina: "Pelo contrário. Se me repito, é porque estou a aperfeiçoar-me. O caminho é esse: tentar outra vez, falhar outra vez, falhar melhor, como dizia o Beckett".