
Michel Houellebecq
Lionel Bonaventure / AFP
Reeditado o romance de Michel Houellebecq que o tornou tão conhecido como polémico.
Há quase um quarto de século, aquando da publicação de "As partículas elementares", muitos foram os críticos e leitores que acusaram Michel Houellebecq - até então, pouco mais do que um autor semidesconhecido - de ter escrito uma obra, mais do que escandalosa ou pornográfica, absolutamente desesperançada, pelo modo como retratava uma sociedade ausente de ideais e sobretudo de afetos.
De nihilista encartado a pessimista sem remissão, quase todos os apodos foram gastos a descrever os hipotéticos reais intentos de quem ousou interromper a hibernação profunda em que se encontrava a cena literária francesa do seu tempo.
O tempo (ou melhor, a evolução dos acontecimentos até ao presente) dar-lhe-ia razão, contudo, ao vermos como a realidade que descreve no livro, considerada distópica na altura da sua publicação, foi igualada, e por vezes até superada, ao longo das décadas seguintes. Com efeito, da solidão exacerbada ao abastardamento moral, passando pela dependência tecnológica aguda ou o hedonismo fátuo, grande parte das tendências insinuadas ou manifestadas ao longo do livro foram superadas pela realidade de uma forma não raras vezes cruel.
No destino de dois meio irmãos, Bruno e Michel, vítimas de um processo educacional desastroso que os leva a afundarem-se moralmente enquanto indivíduos, Houellebecq retrata, no fundo, a civilização ocidental. O processo de decadência irremediável em que esta caiu desde a segunda metade do século passado radica, antes de mais, no ponto de vista do desabrido autor, no triunfo do pensamento "soixante-huitard", cuja ênfase excessiva colocada no plano da liberdade do indivíduo correspondeu a um abandono quase total da vertente espiritual.
Romance tripartido nas dimensões científica, política e filosófica que encerra também uma forte componente autobiográfica, "As partículas elementares" continua a ser, passados todos estes anos, a mais ambiciosa obra do autor de "Extensão do domínio da luta". Se todos os seus romances posteriores se tornaram mais unidirecionais - escolhendo cada qual de forma precisa o respetivo alvo a abater, fosse de caráter político, religioso ou social -, neste em concreto ainda encontramos intacta uma espécie de verve sôfrega que o levava a disparar contra tudo o que se mexia.
As partículas elementares
Michel Houellebecq
Alfaguara
