Pelas primeira vez nas suas criações de banda desenhada, Miguelanxo Prado retoma personagens, os inspetores Tabares e Sotillo, que regressam em "Presas fáceis - Abutres". Esta BD é para adultos.
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Há alguns autores que, por razões diversas, caíram no goto dos editores e dos leitores nacionais. Miguelanxo Prado, com uma longa relação com o nosso país desde 1985, quando foi convidado do 1.º Salão de BD e do Fanzine, no Porto, pela sua inegável qualidade e pela relevância da sua obra no panorama da banda desenhada internacional, é um desses casos.
Por isso, o seu mais recente álbum, "Presas Fáceis - Abutres", saiu em português em simultâneo ou quase com a original, numa belíssima edição da Ala dos Livros (88 págs, 28 euros).
Caso único, Prado decidiu retomar duas personagens, os inspetores Tabares e Sotillo, estreados em "Presas Fáceis - Hienas" (Levoir, 2016), para abordar temas com tanto de sensível quanto de atual: a pornografia infantil e a pedofilia.
A primeira constatação, é o modo extremamente pudico como o faz, já que era fácil um descambar gráfico, mostrando o que pretende denunciar e embarcando involuntariamente na cadeia predadora que está em causa.
Porque, é isso que está em causa neste relato de tom policial, que abre com o aparente suicídio de uma adolescente ucraniana, acolhida por uma casal espanhol, sem filhos e bem na vida: as muitas ramificações que a pedofilia e a pornografia infantil assumem, atravessando transversalmente a sociedade, sem se ater a questões de idade, estatuto social ou capacidade financeira.
À medida que a investigação avança, credível, com avanços, recuos e momentos de estagnação, os factos tornam cada vez mais abjeta a atuação dos diferentes envolvidos, sendo evidente o mal-estar que afeta os inspetores - e que o próprio autor também assumiu na sua passagem pela Comic Con, pelos muitos meses que passou embrenhado no tema, durante a preparação e execução do álbum.
E se não pode ser colocada em causa a qualidade do seu traço realista, o superior uso de cor, sombras e volumes, e o argumento consistente, bem desenvolvido e incomodamente credível, torna-se evidente que é a denúncia de práticas obscenas e inqualificáveis que presidiu à conceção da obra.