Documentário poético sobre um dos mais raros felinos do Mundo. Música é composta por Nick Cave e Warren Ellis.
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É um documentário sobre vida selvagem que eleva o género ao patamar da poesia e da meditação existencial. Na sua busca pelo leopardo das neves, o escritor Sylvain Tesson (que assinou também um livro que se entrelaça com o filme, “A pantera das neves”, edição Bertrand) e o fotógrafo Vincent Munier não se deparam só com as paisagens austeras e majestáticas do Tibete; descobrem a distância a que o humano se encontra hoje da natureza e refletem sobre virtudes perdidas como a paciência e a perseverança.
A banda sonora de Nick Cave e Warren Ellis cria atmosfera mística. E as imagens ferem de tão sublimes.
Há a perceção do “incomunicável” presente em “Grizzly man”, obra-prima de Werner Herzog que acompanhava o sonho fatal de Timothy Treadwell de se imiscuir entre os ursos do Alasca. Mas o filme de Munier e Marie Amiguet, que ganhou o César de melhor documentário em 2022, não busca a intrusão no mundo selvagem, nem o contacto direto com os animais; antes se dá conta, no puro deslumbramento perante o cenário, de que o humano não faz parte daquele reino. “Estamos a deixar de ser animais. Atiram o homem comum para a natureza e ele já não sabe usar os sentidos”, diz o fotógrafo.
Mais do que a obsessão pelo objetivo – captar o elusivo animal no seu habitat, em altitudes acima dos 5 mil metros –, Tesson e Munier concentram-se na beleza que os rodeia, apreciando outros encontros – com o iaque, “criatura anti-moderna, pesada, lenta, desengonçada; ou o gato-de-pallas, “que poderia ser um peluche, não fossem os olhos amarelos insidiosos” – e o prazer da espera e da incerteza.
Para fotografar o leopardo há que inverter os papéis, explica Munier. “Quando penetramos num lugar selvagem, somos sempre vistos antes de ver. Trata-se aqui de conseguirmos ver primeiro”. Para isso, é necessária a “camuflagem”, a imobilização total durante tempo indeterminado, a ausência de ansiedade, aceitar que tudo poderá ser em vão. Exatamente o contrário do que a vida contemporânea nas cidades nos exige.