"As flores do mal": histórico livro de Charles Baudelaire tem nova edição revista do tradutor Fernando Pinto do Amaral.
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Ignorando a absurda máxima segundo a qual “não devemos voltar ao lugar onde fomos felizes” (como se o suposto desencanto fosse capaz de extrair a memória de felicidade), Fernando Pinto do Amaral regressou em meados do ano passado às páginas de “As flores do mal”, o livro de Charles Baudelaire que traduziu em 1992, a pedido do editor Manuel Hermínio Monteiro.
Mais um trabalho de revisão do que de reescrita – como confessa o poeta e tradutor no prefácio, manteve 90% das opções anteriores –, esse ofício de sapiência que é a leitura ter-lhe-á devolvido decerto o encantamento original por um volume de poemas que, pura e simplesmente, se recusa a envelhecer com a passagem dos anos.
Bem mais de século e meio após a sua escrita, há ainda nestes poemas a centelha criativa e humana com a qual até as passagens sombrias (e são tantas!) adquirem uma luminosidade só possível de ser atingida quando o fôlego e o génio caminham a par.
Estocada certeira no coração do Romantismo, no que este tinha de artificial e pomposo, o que estes poemas nos asseguram, hoje como na época da sua criação, é um vislumbre da eternidade, liberta de dogmas, estereótipos e demais amarras mentais.
Homem livre no sentido mais absoluto que este conceito pode assumir, Charles Baudelaire percorre um a um os diversos estados mentais, numa sucessão delirante mas estranhamente lúcida sobre a complexidade da existência humana.
O fascínio incontido pela beleza, seja humana, artística ou da Natureza, que atravessa a quase totalidade dos poemas é o ideal que impele Baudelaire para a prossecução de uma jornada, mais mental do que física, que os puritanismos vigentes não tardaram em associar ao escândalo e ao pecado.
Perseguido por uma suposta licenciosidade que mais não era do que a tacanhez moral dos seus críticos, o poeta francês não se desvia jamais do papel de “eterno alquimista da dor cuja depressão pode desempenhar um papel paradoxalmente estimulante, metamorfoseando-se em poesia”, como escreve o tradutor.