O Festival Internacional de Expressão Ibérica - FITEI entra este fim de semana na meta final e ainda há estreias para ver. Esta sexta-feira, Manuel Tur sobe ao palco do Teatro Campo Alegre, no Porto, com uma nova produção.
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Todos os dias vemos alguém ou algum lugar pela última vez e nem sempre essas últimas vezes chegam com aviso prévio. "A nossa última manhã aqui" é relativa ao derradeiro dia que a mãe do encenador Manuel Tur passou em Quelimane, Moçambique, a 16 de dezembro de 1974.
O seu relato de um aeroporto sujo, repleto de malas, caixotes, fumo de cigarros e últimos beijos serve de ponto de partida para contar a história de uma constelação familiar e de um contraste vivencial para um aeroporto impecavelmente limpo - e que até dava pena pisar quando, aos domingos à tarde, o pai os levava a ver os aviões...
Houve sinais do que ia acontecer, amigos que decidiram partir para a metrópole antes do dia fatídico em que "a sorte de uns foi a desgraça de muitos".
Mas esta história familiar começa mais cedo, quando um homem jovem (o avô de Manuel Tur) decide partir, em 1951, em busca de uma vida melhor, deixando para trás um país paupérrimo e analfabeto.
Para tecer a dramaturgia, Tur conta com as 260 cartas que escreveu aos seus pais e também algumas apropriações do romance "O retorno", de Dulce Maria Cardoso, bem como o diário da sua mãe adolescente, que relata episódios como o dia em que as "teenagers" histéricas resolveram perseguir o popular cantor Nelson Ned.
A ideia surgiu em 2015 e foi na bolsa do Teatro Municipal do Porto que, em 2022, ganhou forma. Esse mesmo jovem havia de regressar em 1957, namorar um mês e meio e depois casar.
Os tempos eram outros tempos e Manuel Tur, que é também intérprete, não faz qualquer desculpabilização; usa a nomenclatura de forma crua, "com os pretos chamados de pretos", e, como sublinha, essa "fronteira entre o emocional e o factual é um material muito violento". Como explica, à sua mesa familiar nunca ouviu a palavra "colonialismo". A leviandade com que certos factos foram narrados é chocante.
Além das cartas, há também filmes em Super8, onde é implícita a condição muito distinta em que estas pessoas viviam.
"A nossa última manhã aqui" é um espetáculo-conferência a não perder neste último fim de semana da 47.ª edição do FITEI, porque a verdade nem sempre pode ser edulcorada.
"A nossa última manhã aqui"
Teatro Campo Alegre
Sexta: 19 horas
Sábado: 17 e 21.30 horas