De hoje até quarta-feira 10 há bom cinema italiano para ver no Cinema Trindade.
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Pela 14.ª vez, tem lugar no nosso país a Festa do Cinema Italiano. Não é de todo coincidência que se estreie na mesma altura nas salas o filme de abertura da Festa, "Três andares", de Nanni Moretti, o realizador que potenciou o ressurgimento do cinema italiano após uma certa estagnação que se seguiu ao período áureo de Rossellini e Visconti, Pasolini, Fellini e tantos outros. Com o impulso de Moretti e a chegada dos seus filmes a outros mercados, começaram a surgir em Itália outros autores, também atores e atrizes, que a Festa do Cinema Italiano tem ajudado a divulgar entre nós na última década e meia.
O fenómeno é semelhante ao ocasionado, um pouco antes, pela Festa do Cinema Francês. Num pais onde as salas de cinema são dominadas pelos blockbusters ou, pelo menos, pelas produções em língua inglesa, estas Festas trouxeram de novo ao público o prazer de ver cinema falado nas belas línguas francesa e italiana, muito graças a distribuidores e exibidores que pegaram nesses filmes e os propuseram ao público em geral.
A Festa do Cinema Italiano teve início há dois dias em Lisboa, onde se estende até dia 11 nos cinemas São Jorge, Nimas, Culturgest e UCI Corte Inglés, bem como na Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema, onde decorre a mostra paralela dedicada às grandes divas do cinema italiano.
Além de Lisboa, onde se realizam eventos paralelos como a exposição fotográfica "Mafia passione... Amore" de Letizia Battaglia e Roberto Timperi, encontros gastronómicos, uma festa disco em tributo a Raffaella Carrá, vários encontros e masterclasses, a Festa estende-se a Coimbra (Teatro Académico Gil Vicente, até hoje, dia 4), Beja (Pax Júlia Teatro Municipal, até dia 9), Setúbal (Auditório Charlot, de 4 a 7), Penafiel (Cinemas Cinemax, de 4 a 7), Cascais (Cinema da Villa, de 4 a 7), Alverca do Ribatejo (Teatro Estúdio Ildefonso Valério, a 6 e 7), Aveiro (Teatro Aveirense, a 15 e 16), Tomar (Cine-Teatro Paraíso, de 23 a 7 de dezembro), Almada (Auditório Fernando Lopes Graça, de 23 a 26) e Leiria (Teatro Miguel Franco, a 23 e 24).
No Porto, o Cinema Trindade propõe uma seleção de nove títulos da Festa, de hoje até dia 10. Já hoje, pelas 21.30 horas, poderemos ver "Era uma vez a Máfia", também em estreia nacional em sala. Trata-se de um documentário mordaz e sarcástico, na linha do trabalho do veterano Franco Maresco, e que nos chega com o prestígio do Grande Prémio do Júri do Festival de Veneza. Suscitado pelo 25.º aniversário do assassinato de Giovanni Falcone e Paolo Borsellino, os famosos juízes que entraram em guerra direta contra a Máfia, Franco Maresco revisita a memória histórica italiana e interroga-se sobre os ideais que ainda hoje permanecem, especialmente em Sicília, num filme já classificado como um encontro nostálgico com a máfia do antigamente.
Amanhã, dia 5, de novo às 21.30 horas, será exibido "Magari", primeira longa-metragem da realizadora Ginevra Elkann, estreado em Locarno e interpretado, entre outros, por dois nomes fortes do atual cinema italiano, Riccardo Scamarcio e Alba Rohrwacher. O filme acompanha três irmãos que vivem em Paris com a mãe francesa, e fervorosa cristã ortodoxa, mas vão ter de passar alguns dias com o pai, um italiano mulherengo, guionista de pouco sucesso, e que não faz ideia de como cuidar de si mesmo...
Sexta e sábado haverá duas sessões, às 16.30 e às 21.30 horas. O dia 6 começa com "Piccolo corpo" e termina com "Come un gatto in tangenziale - Ritorno a Coccia del Morto". O primeiro é a obra de estreia da realizadora Laura Samani, estreou-se na Semana da Crítica de Cannes deste ano e decorre numa pequena ilha no nordeste de Itália, no inverno do início de 1900. O bebé da jovem Ágata nasceu morto. Na tradição católica, uma criança que não respirou uma vez não pode ser batizada e a sua alma será condenada ao limbo, sem nome e sem paz. Mas Ágata ouve falar de um lugar nas montanhas, onde as crianças podem ser trazidas de volta à vida durante o tempo de um fôlego. O filme da noite, de Riccardo Milani, é a sequela de uma comédia de sucesso, onde eram introduzidas as personagens de uma intrépida ex-operadora de caixa de supermercado e um intelectual progressista com ligações políticas, que uniam forças para impedir o namoro dos filhos.
No domingo 7 o Trindade exibe mais dois filmes, "Nevia" e "Il materiale emotivo". O filme da tarde, realizado por Nunzia De Stefano e produzido por Matteo Garrone, ganhou o Prémio Lizzani no Festival de Veneza. Nevia tem 17 anos e mora nos subúrbios de Nápoles com a irmã, a tia e a avó. É uma rapariga teimosa, determinada a querer muito mais do que aquilo que tem, mas é difícil ser uma adolescente num local onde apenas os homens fazem as regras e, aparentemente, não há outras opções senão sobreviver com pequenos trabalhos ilegais. Até que um dia um circo chega à cidade, mudando a vida de Nevia e dando-lhe uma nova esperança. Um filme com uma certa carga autobiográfica, já que a realizadora também viveu num contentor durante anos, quando o terramoto de 1980 obrigou a família a fugir para um acampamento improvisado.
O filme da noite de domingo é, pelo contrário, uma comédia romântica inspirada num argumento nunca filmado de Ettore Scola e o mais recente filme do ator e realizador Sergio Castellitto. "Il materiale emotivo" centra-se na existência de Vincenzo, que dedica os dias à sua antiga livraria parisiense, uma pequena pérola no centro de uma praça na capital francesa, e à filha Albertine, confinada a uma cadeira de rodas e forçada a ficar em casa devido a um suposto acidente ocorrido há alguns anos. A vida de Vincenzo corre de forma calma, entre o amor pela filha e o amor pelos livros, até Yolande entrar em cena.
De novo apenas na sessão da noite, no dia 8 será a vez de "I predatori", de e com Pietro Castellitto, autor também do argumento original, que venceria o prémio nessa categoria na seção Orizzonti do Festival de Veneza. O filme conta a história de duas famílias aparentemente incompatíveis, uma de burgueses e intelectuais, a outra de proletários e fascistas que, devido a um incidente trivial, se vão cruzar na selva urbana de Roma.
No dia 9, à noite, o público do Trindade poderá descobrir "Welcome Venice", de Andrea Segre, sobre a complexidade da relação de dois irmãos em conflito e sobre a forma como a cidade de Veneza foi globalizada e entregue à especulação imobiliária. A Festa termina no Porto no dia seguinte com "Hammamet", do consagrado Gianni Amelio, recordando o último ano da vida de Bettino Craxi, um dos mais controversos líderes italianos dos anos 1980, condenado a 27 anos de prisão. Protagonizado por Pierfrancesco Favino, o filme retrata a hipocrisia da política local ao mesmo tempo que realça o lado mais humano de Craxi.