Séries, filmes e concursos começam a ter representação geográfica diversa a reboque do streaming, mas o monopólio não mudou de mãos.
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Apesar de no mundo ocidental o cinema e a ficção americana monopolizarem a indústria, dados do Instituto de Estatística da Unesco mostram que é a Índia o país que domina a produção cinematográfica global, em termos absolutos (número de longas-metragens). Depois da Índia, a China e os Estados Unidos são os grandes produtores de cinema do Mundo.
Mas, apesar do streaming e dos canais de cabo nos darem a sensação de haver uma diversidade cada vez maior, o monopólio audiovisual está longe de ser ameaçado, como diz ao JN Mário Augusto, jornalista e crítico de cinema. Em rigor, "os americanos estão a expandir a sua área de influência".
E dá como exemplo "La Casa de Papel": "Os espanhóis fizeram o produto para um canal nacional, começou por correr muito bem, mas depois foi sempre a descer. Já estava tudo arrumado quando os americanos viram o potencial e disseram, "passem para cá o material". Ou seja, eles não cozinham mas empratam e dão o seu toque de chef". Um fenómeno que se propaga pelo streaming via Netflix, HBO, Amazon Prime, etc.
Isso reflete-se também no produto final, já que a diversidade de linguagens narrativas e visuais não é assim tão díspar. "Temos uma mudança de paradigma apenas na dinâmica da produção e um leque mais aberto. Mas acaba por funcionar como um franchising. Não escapamos à lógica e ao controlo final", reforça Mário Augusto.
Da Coreia a Nolyywood
Outro país no top 15 dos produtores audiovisuais é a Coreia do Sul. Neste ranking, a Europa é o continente mais representado, com França e Espanha na liderança. Estes êxitos prendem-se sobretudo, como explica Mário Augusto, com "as políticas protecionistas em que os americanos eram obrigados a investir parte da percentagem de lucro na produção local".
Na América Latina, Argentina, México e Brasil destacam-se como os grandes produtores. Também desde 2011, países como México, Coreia do Sul, Argentina e Turquia aumentaram a produção em mais de 100%. O cinema africano tem sido igualmente um caso de êxito, muito impulsionado pelos filmes nigerianos saídos de Nollywood, e que se fazem valer de narrativas tradicionais - mesmo não competindo com máquinas como Bollywood e Hollywood.
Nações vs autores
Para Anette Dujisin, diretora nacional da plataforma Filmin, "não é correto fazer uma análise numérica de representação dos países individualmente porque estes têm diferentes capacidades de produção e distribuição". Mas se se fosse por aí, diz, o domínio "seria com certeza da França, que não só produz muito como também coproduz", reforçando a ideia dada por Mário Augusto.
A responsável explica que, muitas vezes, mais do que a procura geográfica, existe uma procura por autores específicos, como Pedro Almodóvar ou John Cassavetes. Mas nem sempre a aquisição de direitos é um processo pacífico. "Os subscritores ficaram muito tristes com a saída (por muito que temporária) dos filmes de Ingmar Bergman, e a maior parte da procura é por grandes autores clássicos, dos russos aos indianos, passando pelos americanos, mas não sinto que sejam buscas geográficas, mas autorais."
A grande diferença, diz, está na busca por cinema asiático, que "tem tido uma grande procura, seja o grande cinema de autor, como a obra de Wong Kar Wai, sejam filmes de realizadores como Bong Joon-ho, Naomi Kawase, Hong Sang-soo ou Hirokazu Kore-Eda, até ao anime de Hayao Miyazaki, Mamoru Hosoda e Katsuhiro Otomo". Algo relativamente inesperado junto do público português "mas a que temos tentado dar resposta a nível editorial".