Coreógrafo iraniano-norueguês descodifica herança persa no Palácio da Bolsa, no Porto.
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"Nos dias de hoje, as pessoas tendem a confundir compromisso com fúria. Quando eu estou extremamente comprometido com algo, não quer dizer que esteja furioso, mas que estou comprometido. Mas, como venho dos árabes, claro que estou furioso". É num registo extremamente bem humorado que o coreógrafo Hooman Sharifi, iraniano naturalizado norueguês, desmistifica uma série de (pre)conceitos sobre a herança persa que o antecede e que leva à cena em "The dead live on in our dreams", no Salão Árabe, no Palácio da Bolsa, no Porto, sexta e sábado.
No Irão, a maioria da população não é árabe, é persa, e o humor´tem como base essas diferenças. "Diz-se que na zona perto do Iraque são todos árabes e que colocam os camelos debaixo dos ares condicionados, que os persas são todos preguiçosos, ou que na zona da fronteira com a Turquia são todos teimosos como burros". A graça perde-se na tradução e Hooman tem de explicar muitas vezes as suas piadas quando está fora do país onde nasceu, que tem um humor muito próprio: "Quando tinha 14 anos, durante o tempo da guerra e quando estavam a bombardear Teerão, houve um ataque que atingiu duas ruas abaixo da minha casa, mas a sensação física que tivemos foi de que o nosso edifício fora atingido, porque os vidros rebentaram todos. Depois do susto, lembro-me de o meu pai dizer: "Bem, tivemos sorte, o atirador devia estar a fumar e não nos atingiu".
Cliché das "1001 noites"
No solo que partilha com o músico Arash Moradi, que toca tanbour, uma espécie de alaúde com três cordas - um dos instrumentos mais antigos do Mundo -, vai contando histórias e é um deleite ouvi-lo. "Claro que as pessoas olham sempre para esta música e associam com o cliché das "Mil e uma noites". Mas o que pretendo é descodificar um pouco tudo isto e aparecer despido, de um ponto de vista filosófico", explica. O solo já foi apresentado em Oslo, na Palestina e em Paris e a cada local que vai partilha alguma história sobre o sítio. No Porto, toda a história do Salão Árabe lhe parece instigante, do ponto de vista criativo. Mordaz, diz que lhe pareceu muito curiosa a explicação do desvio de cinco centímetros nas portas, para não serem perfeitas, porque "só Alá é perfeito".
Até ao último ano, Sharifi dirigiu a Carte Blanche, companhia nacional norueguesa de dança, para se demitir depois de quatro anos. "O sistema tritura as pessoas, por isso aqui estou outra vez com a liberdade do solo e de falhar", conta. Em 2020, apresenta um projeto sobre o sacrifício global, onde todos se comprometem pelo bem comum, assim as políticas ambientais.
O projeto é inspirado em "Sacré du printemps", de Stravinsky, e será feito com 10 bailarinos iranianos. "Se me implico politicamente? Vou ter de reunir pessoas que estão todas em países diferentes. E até para lhes pagar vou ter problemas", conta.