
O dia a dia da imigrante angolana Ana Maria Jeremias (à esquerda na foto em exposição) valeu um prémio do World Press Photo a Maria Abranches
FOTO: Carlos Carneiro
Distinguida no concurso mundial World Press Photo, a fotógrafa portuguesa Maria Abranches falou na Maia sobre o papel dos "invisíveis" na sociedade contemporânea.
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A conquista de um prémio na edição deste ano do World Press Photo, na categoria de histórias e reportagens, foi a menor das transformações pelas quais Maria Abranches passou desde que resolveu contar por imagens a história de Ana Maria Jeremias. A série "Maria" - centrada no quotidiano de uma cidadã angolana traficada com apenas nove anos para Portugal e que desde essa altura, há mais de quatro décadas, é empregada de limpeza na região de Lisboa - despertou na documentarista uma nova consciência social.
"Estou num processo de desconstrução desde então", confessou esta sexta-feira, na Maia, durante uma conversa com o público, à margem da exposição no Fórum local que reúne os trabalhos premiados em 2025 no mais importante concurso de fotojornalismo mundial.
A vontade de "incluir novas narrativas na narrativa dominante" da História de Portugal (em particular, a sua relação com o colonialismo) fê-la acompanhar, ao longo de cinco meses, o dia a dia de uma mulher que, à semelhança de milhares de outras, desempenha um papel na sociedade tão fundamental quanto ignorado.
"Foi um dos momentos mais difíceis"
A fotografia impôs-se tardiamente no percurso profissional de Maria Abranches. Formada em Arquitetura, trabalhou na área até há cinco anos, altura em que, rendida à vontade de contar histórias através das imagens, abraçou em definitivo a fotografia. Uma decisão fundada na vontade de "usar a fotografia para ampliar vozes".
Com colaborações regulares em periódicos internacionais como o "El Pais", "The Guardian" ou "O Globo", vê-se cada vez mais tentada no futuro a explorar "realidades desconhecidas". Sempre com o propósito de dar visibilidade a quem é visto por quase tudo como seres na sombra. "A história da Ana Maria é a história de muitas outras mulheres. Fico feliz que se sintam representadas".
Quando foi a Amesterdão receber o prémio, voltou a falar com a protagonista das suas fotografias. Feliz com o alcance que a série de imagens está a ter, soltou um comentário humorado que Maria Abranches partilhou com a plateia: "Finalmente estou a conseguir viajar".
Para trás ficaram os momentos iniciais de dúvida, em que se mostrou incrédula com o interesse da fotógrafa em retratar o seu quotidiano. Só ao fim de dois meses de convivência é que passou a reagir com naturalidade à omnipresença da objetiva, que chegou a acompanhá-la até de madrugada nos transportes públicos, quando se deslocava para o trabalho diário.
"Foi um dos momentos mais difíceis de todo o processo", recordou a profissional da imagem.
A fotografia como ferramenta de empatias
Também presente na sessão, a curadora da exposição, Mariana Rettore Baptista, assinalou "o cenário de declínio da liberdade de imprensa no Mundo", o que torna ainda mais premente a missão do jornalismo. Nesse particular, a fotografia pode ser "uma linguagem para aproximar mundos, enquanto ferramenta de empatias".
A celebrar 70 anos de existência, o World Press Photo deve estar atento às mudanças para mostrar-se capaz de encontrar "novas formas de narrar o Mundo". Um dos desafios, defende, passa por "contar histórias de forma diferente", sem ceder à violência gratuita que já assola as redes sociais e a informação tabloide.
A exposição das fotografias mais marcantes do World Press Photo 2024 podem ser vistas no Fórum da Maia até 3 de dezembro.
