“Mutiny in heaven”, documentário de Ian White, conta a história da banda onde se batizou com chamas Nick Cave. Estreia esta quinta-feira no Batalha Centro de Cinema, no festival Porto Post Doc.
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É um documentário impuro, pedrado, ultrajante, visceral e ameaçador – é igual ao seu objeto: os The Birthday Party, lenda do pós-punk formada por Nick Cave, Mick Harvey, Tracy Pew, Phil Calvert e Rowland S. Howard. Entre 1977 e 1983 violaram todas as fronteiras do punk, do noise, do blues e do free jazz. Influenciaram a cena gótica. Deixaram destruição e seringas pelos palcos. Mantiveram-se num lugar único, inimitável, apocalíptico.
“Mutiny in heaven”, realizado por Ian White, afocinha na história empurrado pelos protagonistas. Passa esta quinta-feira à noite no Batalha Centro de Cinema e repete amanhã no Cinema Passos Manuel, no âmbito do festival documental Porto Post Doc.
“O rock devia ser suficientemente assustador para ter uma linha de polícias entre os músicos e a audiência”, diz Rowland, o guitarrista, olhos vítreos e rosto esquálido. Foi o último a integrar a banda, que começou por se chamar The Boys Next Door.
Formada nos subúrbios de Melbourne, na Austrália, apanhou faíscas do punk que se desenrolava em Londres, mas nunca se conteve dentro de nenhum rótulo. “Era o tempo de todas possibilidades”, diz Nick Cave, que no chão irado e experimental dos The Birthday Party fez o tirocínio para a carreira que se conhece.
Passado quase sempre em palco, o filme resgata imagens inéditas cedidas pelos músicos e representa-os em animações baseadas na novela gráfica de Reinhard Kleist, “Mercy on me”. Dá conta da estadia em Londres, onde a banda dormia num quarto e passava fome. Delinquentes à solta, odiaram a cidade, o seu clima, o ambiente de ressaca cultural que se seguiu ao punk.
Vingavam-se nos concertos – momentos de verdadeiro perigo, com pugilato garantido e frascos de comprimidos a chover no palco a pedido da banda. Acompanha-os em digressões pela Europa e EUA, onde constroem reputação infame: em Nova Iorque, desligam-lhes a corrente ao fim de três músicas.
O documentário desemboca em Berlim Ocidental, já em 1982, onde a banda descobre “uma cena mais pura e estimulante”, associando-se a músicos como Blixa Bargeld, dos Einstürzend Neubauten. É o pico da criatividade, plasmado em “Junkyard”, mas também o princípio do fim. Choque de personalidades e “burn out” motivado pelas drogas e pela intensidade dos concertos – “Já íamos cansados antes de começar, porque antecipávamos todo o caos que iria acontecer”, diz Rowland.
Terminaram onde tudo começou, em Melbourne, numa fase em que já viravam as costas ao público nas atuações ao vivo. “Fugimos sempre de tudo o que fosse expectativa e dessa ideia de produtos profissionais”, diz Harvey. E poucos números que geraram herdeiros poderão afirmar isso com tanta propriedade.