<p>Pelos meados do século XVI, o Porto era a mais europeia das cidades portuguesas. Os contactos que por essa época os mercadores portuenses mantinham com a Europa não se limitavam às actividades comerciais ou marítimas. Estendiam-se aos sectores do pensamento e da cultura e é por essa via que se projectam na vida portuense os ecos da cultura Renascentista então em permanente evolução por todo o continente europeu. </p>
Corpo do artigo
É por essa época (começos de 1546) que chega ao Porto o padre Manuel Francisco Estrada, da Companhia de Jesus. Vem em missão de proselitismo, ou seja, a de tentar, pela eloquência da sua palavra, angariar adeptos, se assim pode dizer-se, para a nova ordem religiosa que surgia no mundo. Os primeiros sermões que pregou na cidade, no entanto, não obtiveram grande sucesso. Mas tudo se alterou quando, em Maio daquele ano, por ocasião da realização da festa litúrgica da Visitação, que a expensas do Município se realizava na capela de S. Miguel, situada "fora da Porta do Olival" no sitio onde, anos mais tarde, veio a ser fundado o Recolhimento do Anjo e onde, depois da extinção deste, funcionou o Mercado da Anjo ainda da memória de muitos portuenses. Aconteceu que o pregador que devia fazer o sermão da praxe adoeceu e para o substituir convidaram o padre Estrada. Dizem as crónicas da época que acudiu tal multidão a escutá-lo que, contra o que era costume, teve de ser armado um púlpito no exterior da ermida e ali " debaixo da boa sombra das oliveiras" ouviram atentamente o pregador. O sermão foi um sucesso. Quatro anos mais tarde (1560) passou pelo Porto Francisco de Borja na qualidade de Comissário Geral da Companhia de Jesus. Veio para estudar a hipótese da fundação de uma casa de jesuítas na cidade. Consta de uma crónica anónima sobre "Os Padres Jesuítas em Portugal", existente na nossa Biblioteca Municipal, que Francisco de Borja se instalou no Hospital Albergaria de Roc Amador que funcionava na então Rua do Souto actual Rua dos Caldeireiros, junto à Rua das Flores. Mas o bispo D. Rodrigo da Cunha, no seu "Catalogo dos Bispos do Porto" diz que o Comissário da Companhia de Jesus se hospedou "no hospital que chamam de Santa Clara, na Rua dos Mercadores" e que, mais tarde, com a abertura da Rua de S. João viria a ser transferido para a Cordoaria.
Com Francisco de Borja veio o padre Bartolomé de Bustamante, perito da Companhia de Jesus para a arquitectura em Espanha e que tinha como missão estudar, no Porto, o melhor sitio para a implantação da casa dos jesuítas. Obtida autorização do bispo D. Rodrigo Pinheiro, para a criação da Casa o lugar escolhido para a implantação da sede da Companhia no Porto foi a residência, na Lada, à Ribeira, de Henrique de Gouveia, benfeitor da Instituição. E foi assim que no dia 10 de Agosto de 1560, dia de S. Lourenço, se instalou, oficialmente, no bairro ribeirinho, junto ao rio Douro a primeira comunidade da Companhia de Jesus no Porto.
O Colégio só viria a ser fundado oito anos mais tarde, ou seja em 1568.Mas a indispensável licença para o inicio das obras só foi concedida pelo cabido em 1572. É neste ano que chega ao Porto o arquitecto oficial da Companhia, o irmão Silvestre Jorge que começou por visitar o local onde seria construído o Colégio, um terreno em socalcos, perto da Catedral, junto à antiga Rua das Aldas, actual Rua de Sant'Ana, onde havia algumas casas, hortas e onde haviam funcionado antigos açougues, um dos quais chegou a servir de Alfândega. O irmão Silvestre aproveitou a sua deslocação ao sitio para fazer as respectivas medições e logo a seguir gizou o projecto da obra. A primeira pedra da nova construção foi lançada em 1573. A assinatura do mestre pedreiro Manuel Luís, morador, na altura, na Rua de S. Miguel, aparece em vários documentos notariais como testemunha nomeadamente no que diz respeito à compra do terreno onde se viria a edificar o Colégio.
Em 1614 aparece como o grande mecenas da obra Frei Luís Álvares de Távora. O apoio financeiro que deu aos trabalhos foi determinante para a conclusão das obras. Em 1627 a igreja, embora não estivesse concluída abriu para o culto público. Mas a fachada só ficou concluída em 1709, há exactamente trezentos anos. As obras ainda continuaram por muito tempo sendo dessa altura a construção da escadaria que passou a ligar a entrada do templo e do colégio à zona superior onde se situavam os açougues.
Oposição à criação do Colégio
Não foi fácil para os padres jesuítas a sua instalação na cidade e muito especialmente a fundação do Colégio. A maioria da população do Porto não estava contra a presença dos jesuítas na cidade. Admitia que podiam ficar por aí dois ou três padres, mas mais não. Já cá havia, argumentava a população, "nove comunidades de religiosos e religiosas" e não eram necessárias mais. E Colégio, isso é que não podia ser. Consideravam os portuenses, a fazer fé nas crónicas da época, que "isso (a instalação do Colégio) era um abuso e uma afronta aos privilégios da cidade". Diziam mais: "com a criação do Colégio os géneros alimentícios que escasseavam e eram caros subiriam a um preço exorbitante e inacessível à maioria da população…" Estas não eram, contudo, as verdadeiras razões pelas quais os portuenses não queriam dentro dos muros da cidade, nem uma comunidade muito grande de padres jesuítas e muito menos um Colégio. Gente de trabalho, que mourejava de sol a sol batendo o ferro na Rua da Bainharia ou estendendo o Côvado na Rua dos Mercadores, os artesãos e os homens de negócios o que verdadeiramente temiam era que à instalação do Colégio seguisse a criação de uma Universidade que seria frequentada pelos filhos dos morgados e Entre-Douro-e-Minho e lá se ia o sossego da urbe a tranquilidade das famílias.
Mas esta argumentação não vingou e o Colégio acabou por ser fundado.