
Ator José Martins já arrancou um importante prémio de interpretação em Xangai, com "A memória do cheiro das coisas"
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Estreia esta quinta-feira nas salas "A memória do cheiro das coisas", novo filme de António Ferreira.
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Arménio é um antigo soldado português. Idoso, é colocado pelos filhos num lar para a terceira idade. O seu cuidador brasileiro é substituído por uma enfermeira africana... De uma só vez, o argumentista e realizador António Ferreira trata no seu último filme, que chega quinta-feira a todo o país, vários temas recorrentes e transversais na sociedade portuguesa. O racismo, a memória da guerra colonial e o tratamento dado aos mais velhos.
"A memória do cheiro das coisas", o título do filme que nos questiona e emociona, refere-se ao que ficou na memória dos tempos passados na guerra pela personagem central, defendida com coragem e talento por José Martins, um ator que bem mereceu esta possibilidade e que já arrancou um importante prémio de interpretação em Xangai.
A questão colonial, longe de estar resolvida na sociedade portuguesa, tem começado aos poucos a quebrar o tabu, e o filme de António Ferreira, que não esquece os traumas de quem a viveu, presta tributo a esta geração de homens, que vão desaparecendo sem nos lembrarmos deles, nem do que eram obrigados a fazer, em nome de um colonialismo bacoco, dos últimos a desaparecer do mapa do mundo.
O que ficou, e tem estado a ressurgir perigosamente, é um racismo endémico, que a propaganda oficial fez crer que não existia. O filme de António Ferreira enfrenta o problema, através da relação de início conflituosa e finalmente cúmplice do (anti) herói do filme com Hermínia, composta por uma Mina Andala que é outra das boas surpresas do filme.
Num país onde se tem falado também tanto, e infelizmente, das péssimas condições em que por vezes vivem os mais idosos, abandonados por famílias que se querem desembaraçar de quem já é um peso praticamente morto, "A Memória do Cheiro das Coisas" permite-nos também refletir sobre esta temática, uma vez mais sem qualquer militância, apostando-se no lado humano, mas de uma forma seca, forte e eficaz, longe do melodrama televisivo.
