Numa semana de campanha eleitoral, assistir a “Crocodile Club” de Mickaël de Oliveira, em cena no Teatro Nacional São João, no Porto, devia ser mandatório.
Corpo do artigo
No mais recente exercício dramatúrgico de Mickaël de Oliveira, “Crocodile Club”, somos recebidos por um cenário que parece saído diretamente de um manual de instruções para montagem de ideologias em flat pack. A peça decorre num refúgio de família — parte bunker político, parte bar kitsch — onde personagens discutem o destino do mundo como quem decide toppings numa pizza de pepperoni pós-apocalíptica. Não há crocodilos, é bom avisar desde já, para quem esperava literalidade (ou um toque exótico). Há, no entanto, discursos inflamados, egos inchados e uma atmosfera densa como um cocktail mal batido.
Mickaël de Oliveira continua fiel ao seu teatro de ideias, aquele em que os personagens falam como se estivessem constantemente a tentar ganhar um debate na universidade, mesmo quando estão emocionalmente exaustos ou completamente desprovidos de humanidade. E é precisamente aí que reside a ironia do espetáculo: num mundo em colapso moral, as figuras em palco não procuram empatia, apenas a última palavra. Os diálogos são longos, densos, e por vezes deliciosamente absurdos. Há uma personagem que, a certa altura, discorre sobre o poder como quem fala de acessórios de moda, tudo é uma questão de combinação.
A encenação oscila entre o minimalismo tenso e o exagero quase brechtiano, como se Oliveira nos dissesse: “Não levem isto demasiado a sério. Ou talvez levem. Não sei. Decide tu.” Uma espécie de IKEA político com peças em falta. A ironia é que “Crocodile Club” se quer radical mas acaba por ser, subtilmente, uma sátira ao radicalismo em si. É como assistir a um grupo de revolucionários que se perderam no Google Maps e acabaram numa reunião da associação de moradores. Num mundo tão saturado de certezas e verdades absolutas, o teatro de Mickaël de Oliveira oferece-nos o privilégio raro da dúvida. E isso, por mais irritante que seja, é bastante refrescante. Elenco conta com Afonso Santos, Bárbara Branco, Beatriz Wellenkamp Carretas, Fábio Coelho, Gabriela Cavaz, Luís Araújo e Inês Castel-Branco.