
Autora de "A louca da casa" serve-se de géneros como a ficção, ensaio ou biografia
Paulo Spranger/Global Imagens
No seu novo livro, "O perigo de estar no meu perfeito juízo", Rosa Montero explora a relação próxima mas árdua entre a criatividade e a loucura.
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Ficção, ensaio ou autobiografia? A dificuldade manifesta que sentimos em encaixar o novo livro de Rosa Montero num só género pode perturbar aqueles que se sentem mais cómodos em fixar (ou aprisionar?) uma obra num registo isolado, mas é apenas um sintoma mais da sua evidente riqueza e complexidade.
Em "O perigo de estar no meu perfeito juízo", somos convidados a fazer uma autêntica imersão no cérebro da celebrada autora espanhola. Em mais do que um sentido até. Pela evocação de episódios idos da juventude - embora, como hábil ficcionista que é, a sua autenticidade não seja, de todo, garantida... -, mas também pela partilha que faz das leituras intensivas de ensaios sobre o fascinante e misterioso órgão que é o cérebro.
"Sempre soube que algo na minha cabeça não funcionava muito bem", começa por escrever, à guisa de confissão, a autora, antes de nos sugar para o relato vívido da sua infância. Já então a sua imaginação - a eterna "louca da casa" - galopava por conta própria, indiferente às reclamações feitas pelos mais velhos.
Se, num passado não muito remoto, Rosa Montero partilhava "instruções para salvar o Mundo", como intitulou um dos seus romances, agora o foco é sobretudo na esfera do eu, embora alimente a convicção de que cada ser carrega uma multidão dentro de si.
Uma ideia em concreto atravessa as páginas do livro: a fortíssima suspeita de que existe uma relação, tão próxima quanto árdua, entre a criatividade e a loucura.
Para alicerçar a sua tese, socorre-se das biografias de escritores, célebres ou não, nas quais a dita normalidade sempre foi uma espécie de norma não oficial, tal o número de desequilíbrios, vícios, manias ou simples taras ostentados pela esmagadora maioria deles.
Mais do que a procura de respostas - sempre cerceadoras, porque limitam as possibilidades -, o que cativa Rosa Montero nas páginas deste livro (um quase-ensaio-quase-romance-quase-autobiografia) é a sagaz construção de uma cartografia da imaginação.
Ela é, em última instância, o aliado mais poderoso que um escritor tem à sua disposição, por muito que o seu uso exacerbado possa também constituir uma maldição. Mas alternativa a este cenário terrível - ou seja, ser normal - é ainda mais terrível: sucumbirmos ao tédio sem experimentarmos sequer a vida.
"O perigo de estar no meu perfeito juízo"
Rosa Montero
Porto Editora
