Novo livro do poeta espanhol Juan Vicente Piqueras “O quarto vazio” é uma evocação dos que já partiram. Já está editado pela Assírio & Alvim.
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Há na poesia do valenciano Juan Vicente Piqueras um travo suave de melancolia que não deve ser confundido nem com tristeza ou sequer nostalgia. É antes aquele estado de alma difuso, próprio de quem, conhecendo da vida mais do que o seu invólucro, recorre à poesia para diluir as marcas do tempo, como se tivesse a capacidade de fazer uma suspensão do mundo. O que resulta dessa introspeção livre é, mais do que um exercício passadista, uma jornada de foro íntimo em que a memória, a sensibilidade e a saudade são parceiros inseparáveis.
Cinco anos depois do magnífico “Instruções para atravessar o deserto”, também publicado pela Assírio & Alvim, o reencontro com os leitores portugueses faz-se através de um livro cuja característica maior talvez seja mesmo a capacidade de fazer nossos os silêncios e as ausências, através dos quais Piqueras vai pontuando um discurso poético que mais se assemelha a um pacto secreto de entendimento com o leitor, sempre baseado na cumplicidade.
Num livro atravessado pelo síndroma da ausência, é da identidade – ou, mais exatamente, da sua busca – de que se ocupa o atual diretor do Instituto Cervantes de Lisboa. “Em que momento, diz-me (a quem digo diz-me?), / fiquei sem palavras, perdi o medo da minha voz, / depois perdi a voz, e a fé foi difícil. / E tive de procurá-las, a ambas, fora de mim”, escreve em “Era uma voz...”.
Aos que já partiram, vivos ou mortos, o autor espanhol dedica uma fatia nada negligenciável do livro, convocando-os através de poemas em que ecoam os restos de um passado que teima em não ser esquecido.
Se hoje “somos vozes gravadas num correio de voz” ou “palmeiras de praias bravas num ecrã de computador”, na já distante juventude, ao invés, Juan Vicente Piqueras evoca com nitidez assombrosa detalhes ínfimos daqueles que povoaram esses tempos plenos de humanidade.
Agigantados pelo tempo, os seres de outrora surgem agora aos olhos do poeta como figuras mágicas capazes de interromperem o sono eterno para visitações frequentes tomadas pelo espanto.
Convencido de que “o presente é um dom, / como o seu nome indica. O passado não passa. E o futuro não chega”, resta ao poeta vagar indefinidamente pelo mundo, criando um tempo apenas para si.