Filipa Leal faz do seu novo livro, "Adrenalina", um inventário variado das múltiplas dimensões da existência.
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A vida na sua miríade inesgotável de dimensões atravessa com invulgar força o novo livro de poemas de Filipa Leal. Nenhum estado da existência, exceto talvez o da indiferença, está ausente em absoluto destes poemas, cujo poder maior reside na capacidade de espanto de que a autora se faz acompanhar sempre, para onde quer que vá.
Plasmada no título, a adrenalina está também presente em textos nos quais a aceleração é nota dominante, cientes de que os excessos de velocidade rodoviários não se aplicam à poesia. O estímulo para esta vertigem é nada mais do que a própria vida, indutora de estados de espírito que, por mais dissonantes que sejam, nunca se opõem na sua totalidade, ou não partilhassem o forte desejo de humanidade, marca inextricável da poesia de Filipa Leal.
"A liberdade é uma cama com jardim", escreve a autora de "Vem à quinta-feira", num assomo de independência e absoluto que encontra amplos equivalentes ao longo do livro.
A sua aparição ocorre sob variadas formas, muitas das quais a coberto das incontáveis incidências do quotidiano: do caixa de supermercado demasiado expedito aos arrufos no trânsito, é a vida que não pede permissão para entrar, trazendo consigo um apelo urgente que se impõe sem dificuldade. Em muitos outros poemas são as evocações distantes da infância e adolescência que nos chegam em toda a sua extensão, lembrando-nos como "a vida era simpática quando fazíamos testes em inglês".
A literatura é também inspiração para a própria escrita. Habitadas por múltiplos escritores, de Alexandre O"Neill e Wallace Stevens, de Nuno Júdice a Rosa Montero, as páginas de "Adrenalina" são pródigas na aproximação a outros universos, devidamente filtrados pelo olhar da autora, de um modo nem sempre harmonioso, confessa: "O meu cérebro parece o quarto de arrumos de um acumulador".
Itinerário avulso dos dias de uma poetisa que se recusa a engrossar a fileira dos desistentes, "Adrenalina" é um retrato da vida no seu estado mais impuro. Como se pretende, aliás.