
Amanda Gorman
AFP
O convite de Joe Biden para que em janeiro a jovem poetisa Amanda Gorman participasse na sua tomada de posse foi só o mais recente exemplo de uma tendência que poucos julgavam possível: o novo fôlego da poesia, alicerçado em novos intérpretes e leitores.
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A brevidade e o sentido de urgência característicos da linguagem poética encontraram poderosos aliados nas redes sociais, cuja popularidade avassaladora permitiu que chegasse junto de destinatários pouco familiarizados com o género.
Num par de meses, Amanda Gorman viu a sua notoriedade aumentar de forma vertiginosa. Pela linguagem crua e despojada, mas também por questões extraliterárias, como o afastamento de dois dos tradutores do seu poema "The hill we climb", por não cumprirem um requisito alegadamente fundamental: não eram de cor negra.
Em Portugal, a tradução foi feita por Raquel Lima, a convite da Casa Fernando Pessoa, embora se desconheça a casa editorial que adquiriu os direitos de publicação. Ao JN, as editoras contactadas descartaram o interesse na publicação, o que, parecendo estranho para um livro que já vendeu um milhão de exemplares, explica-se pelo receio de reedição de um escândalo igual ao que se tem passado em Espanha ou Holanda, relacionado com os tradutores.
à boleia das redes
Por muito célebre que seja Gorman, a afro-americana nem sequer é a poetisa mais seguida da nova geração. Esse título pertence a Rupi Kaur, indo-canadiana de 28 anos que escreveu "Milk and honey", livro de poesia que vendeu três milhões e meio de exemplares.
Rupi Kaur é uma das figuras de proa dos Instapoets, um movimento que, como o nome indica, utiliza as redes sociais (Instagram, Twitter e Tumblr, sobretudo) como forma de partilha e divulgação artística. Fortemente ligados à defesa de causas como o feminismo, ou mudanças climáticas, estes autores propõem modelos alternativos de publicação e uma simplificação das fórmulas poéticas, facto que os torna um alvo fácil dos críticos e académicos, céticos quanto à sua qualidade literária.
Por cá, embora a poesia represente só 3,2% do mercado (segundo dados da GfK), há um grande dinamismo em torno da comunidade, bem evidente na profusão de projetos como publicações (virtuais e físicas), tertúlias, festivais ou coletivos. Mas continua por cumprir toda uma dessacralização da palavra poética, que passará, antes de mais, pela expropriação das "capelinhas" ocupadas há muito pelos nomes de sempre. Até quando?
