A história começa há muitos, muitos anos. E logo com o seu primeiro filme, imagine-se. O documentário "Douro, Faina Fluvial", foi selecionado para ser exibido no Congresso Internacional de Críticos de Cinema, em Lisboa, corria o ano de 1931.
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Pois o filme seria vaiado pelos portugueses presentes, com raras exceções, ao contrário das delegações estrangeiras, que lhe detetaram os méritos. Mas o "caso" Manoel de Oliveira, a ideia feita de que o seu cinema é hermético e elitista, o muito que se diz sem quase nada conhecer, a fuga dos seus filmes como o Diabo da cruz, a quase cínica opinião de que o melhor Oliveira é "Aniki-Bobó", renegando tudo o que de notável depois desse filme iniciático aconteceu, deveu-se, em grande parte, a uma inacreditavelmente errada opção de promoção do seu filme de 1978, "Amor de Perdição".
Encontrava-se aqui, em dúvida, o ponto charneira para a (in)compreensão de Oliveira. Numa altura em que completara já 70 anos, este era apenas o seu quinto filme de fundo.
Primeira obra do realizador depois de "Benilde, ou a Virgem Mãe", o "Amor de Perdição" foi concebido como uma adaptação fiel de uma obra literária. Co-produzido pela RTP, infelizmente, foi decidido emitir o filme primeiro em televisão, ainda a preto e branco e em episódios, o que aconteceu entre novembro e Dezembro de 1978. Mas a sua linguagem não era de todo pensada para TV. Em setembro desse mesmo ano, a antestreia da versão para cinema, ocorrida no Festival da Figueira da Foz, não só teve casa cheia como ovação de pé.
Oliveira até teve um feliz regresso ao cinema, com o seu projeto seguinte, "Francisca". Por muitos considerado a sua suprema obra-prima, é também o filme que mais o aproxima do público em geral.
Em 1990, alguns filmes mais tarde, Oliveira conseguiu finalmente montar um dos seus projetos mais antigos e pessoais, "Non, ou a Vã Glória de Mandar".
Desta vez a RTP não tinha participação financeira no projecto. Talvez por isso, permitiu-se cometer o seguinte e verdadeiro atentado cultural: abriu o telejornal das oito da noite, com um dos mais populares pivôs da televisão portuguesa a perguntar, indignado, se as pessoas imaginavam que o último filme de Manoel de Oliveira começava com um plano de uma árvore de vários minutos! Mas ia mais longe. "O que pensam os portugueses disto?", perguntava. E lá estava a repórter de rua a perguntar aos transeuntes, em especial os mais idosos, se gostava do cinema de Manoel de Oliveira. Sem palavras...
Tem sido assim a relação de Manoel de Oliveira com os portugueses. Como diz a canção dos The Gift, a maioria das pessoas querem os filmes simples, como a música simples, a vida simples, o amor simples. Mas não serão os filmes de Manoel de Oliveira afinal mais simples do que parece?