Pilar del Río oferece-nos em "A intuição da ilha" um olhar luminoso de José Saramago sobre os anos de vida do escritor em Lanzarote.
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De um dos episódios mais igominiosos da História do Portugal contemporâneo – o veto institucional ao seu romance “O evangelho segundo Jesus Cristo”, por supostas ofensas religiosas –, José Saramago redescobriu-se em Lanzarote, a fascinante ilha canária onde viveu os derradeiro18 anos.
É a recordação desses tempos que nos chega em “A intuição da ilha”. Um livro que, mais do que uma oferenda aos muitos leitores do Nobel português, é uma partilha ampla do seu quotidiano, hábitos e costumes ao longo desse tempo, concretizada graças à escrita segura e imagética de Pilar del Río, viúva do romancista.
“A Casa”, nome pelo qual o escritor designava o lugar que escolheu para iniciar a nova etapa da sua vida, era tanto o lugar de criação, a que se dedicava com um rigor inquebrantável, como uma plataforma de encontros e cumplicidades. Pela moradia minimalista de paredes caiadas de branco passaram através dos anos nomes como Sebastião Salgado, Bernardo Bertolucci, Carlos do Carmo, Carlos Fuentes, Claudio Magris e Alberto Vásquez-Figueora, entre tantos outros, mas também gentes anónimas e de outros quadrantes que não os artísticos, movidas pela vontade de acederem a um contacto mais direto com o autor. Dessas reuniões nos dá conta Pilar del Río nas páginas de “A intuição da ilha”, recordando o comprazimento que Saramago extraía desses convívios, em que se mostrava exímio na tarefa de ser “construtor dessa outra obra que é o conviver para continuar a viver”.
Enquanto, para a generalidade das pessoas, a simples ideia de viver numa ilha é sinónimo de confinamento (ou até isolamento), José Saramago fez da sua existência em Lanzarote uma base de cruzamentos e humanismo que alargou a sua tentativa de compreensão do outro. E se “viver numa ilha é um ato de fé”, como escreveu Fernando Gómez Aguilera no prefácio do livro, então o autor de “Todos os nomes” tornou-se num crente. Não no estrito sentido religioso, mas na ideia de que as ilhas oferecem cachos de tempo, adestram em paciência e renúncias, acostumam-nos a entendermo-nos com a incerteza, afastam a palavra da delapidação”.
Por isso, o apego de Saramago à ilha dos vulcões tranquilos tornou-se cada vez mais notório, levando-o a considerar Lanzarote a sua “Azinhaga recuperada”, a terra de infância de que jamais se esqueceu.
"A intuição da ilha"
Pilar del Río
Porto Editora