Peça de Valentin Silvestrov, compositor ucraniano que fugiu ao regime de Moscovo, teve estreia mundial, e igreja cheia, no Festival da Póvoa de Varzim.
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A guerra, a destruição, o horror da morte, a fuga, os milhares de refugiados e, nos olhos, de Valentin Silvestrov a emoção da impotência. Estava tudo lá. Foi numa Igreja Matriz cheia e a aplaudir de pé, que o compositor ucraniano de 85 anos viu estrear a sua mais recente obra: “Four sacred chants” (Quatro cantos sagrados) cantada pelos Vox Clamantis. O momento, registado na sexta-feira à noite, marcou emocionalmente o 45.ª Festival Internacional de Música (FIM), que prossegue até dia 29 na Póvoa de Varzim.
“Silvestrov tem uma ligação muito forte a Portugal e a obra foi uma encomenda do FIM. Há alturas em que os cantores têm a boca fechada – a tragédia é tão grande que já nem palavras conseguem sair da nossa boca”, disse o diretor do certame, o pianista Raul Costa. Na plateia, Manfred Eicher, produtor alemão e fundador da editora ECM Records seguia tudo atentamente.
Em palco, uma dúzia de vozes do Vox Clamantis, ensemble de canto gregoriano e música contemporânea dirigido pelo estoniano Jaan-Eik Tulve, vencedor de um Grammy em 2014 e que se estreou em Portugal no FIM. Gillaume de Machaut, Helena Tulve, Arvo Pärt e os seus “Três Pastorinhos de Fátima” foram algumas das obras interpretadas, num concerto que terminou com “Four sacred chants” (Lacrimosa, Aleluia, Muitos Anos e Icon).
Depois do início da guerra, Silvestrov, que desde 2005 se voltou a dedicar cada vez mais à música coral sacra, tem vindo a lutar pelo seu país com as “armas” de que dispõe: compondo, entre outras, “Majdan hymns” e “Prayers for the Ukraine”. Em Março de 2022, a pedido da família o compositor nascido em Kiev – e um dos mais perseguidos durante a era soviética - fugiu com a filha e a neta para Berlim, onde vive atualmente.
“Four sacred chants”, que teve na Póvoa estreia mundial, é filha da guerra e da fuga a que foi obrigado e foi escrita entre dois mundos.
O diretor do FIM, Raul Costa, estava “orgulhoso” e, acima de tudo, “honrado”. Era um dos concertos mais aguardados e há muito esgotado, fazia-se a ponte com a cidade, também ela com forte tradição coral.
Até dia 29, há oito concertos para ver, num festival que mantém a sua marca: a diversidade de instrumentos e sonoridades – do clássico ao contemporâneo –, a música para todos (bilhetes a 5€) e um forte apoio aos novos valores e à criação.
Dois concertos em destaque
Ensemble poveiro em estreia
Este domingo, às 21 horas, no Cineteatro Garrett, o Festival recebe a estreia do Ensemble Contemporâneo da Póvoa de Varzim. São 15 músicos, muitos deles iniciaram os seus estudos na Escola de Música poveira, dirigidos pelo maestro Nuno Coelho, maestro convidado da Osquestra Gulbenkian. O projeto era um desejo antigo do diretor Raul Costa.
Orquestra Gulbenkian e Viktoria Postnikova
No dia 29, o festival termina com um concerto da Orquestra Gulbenkian, dirigida por Valentyn Uryupin, com a pianista Viktoria Postnikova. O programa conjuga obras de Rachmaninov (cujos 150 anos do nascimento deram o mote à conferência de abertura do Festival) e ainda Stravinsky.
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