Andrea Arnold transforma o documentário "Vaca" num espetáculo delicioso.
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Se excetuarmos o cinema de animação, não são muito frequentes os filmes centrados em animais. No entanto, não será necessário um grande esforço de memória para nos recordarmos de filmes com cães, gatos, cavalos ou ursos. Os cinéfilos mais iniciados não permitiriam que nos esquecêssemos do burro Balthazar, da obra-prima de Robert Bresson que se chamou entre nós "Peregrinação exemplar" ou dos "Passarinhos e passarões" de Pier Paolo Pasolini.
A esta fauna vem juntar-se "Vaca", da realizadora britânica Andrea Arnold. Quem não se cruzou já com pachorrentas vaquinhas a pastar no campo, indiferentes ao que se passa à sua volta, ou com a fotografia de algum exemplar em embalagens de leite, manteiga ou queijo, alguns dos produtos que a ela devemos?
O que "pensam" as vacas quando nos olham, ou quando cumprem os rituais quotidianos, condicionados pela espécie humana que as adotou? É esse o princípio de "Vaca", o filme que Arnold extraiu de quatro anos de acompanhamento da agora nossa querida Luma, uma das habitantes de uma quinta na região de Kent, no sudeste de Inglaterra, não muito longe de Londres.
O filme acompanha um ciclo de vida de uma vaca de uma exploração pecuária. Vemo-la a amamentar as crias, a ser-lhe retirado leite através de sofisticada maquinaria, a ser cruzada com um boi para voltar a ficar grávida, a efetuar todo o tipo de trabalhos a que a sua existência está destinada.
Curioso será cruzar esta obra de não-ficção - será mesmo? - com os trabalhos anteriores de Arnold. Sobretudo o seu grande filme de culto, "Aquário", sobre uma jovem de 15 anos, ou "American honey", onde volta a debruçar-se sobre os problemas da adolescência, neste caso do outro lado do Atlântico.
Nesse sentido, Luma é uma "personagem" típica do universo de Andrea Arnold. Um pouco perdida no mundo que a rodeia, presa a amarras de que por vezes se tenta libertar, com um olhar vago. E "Vaca" é um daqueles filmes em estado de graça que justificam a existência do cinema.
Vaca
Andrea Arnold
2021