A história de Rasheed em nada se distinguirá da de milhares de outros marfinenses que viraram costas à pobreza no país natal para abraçar com entusiasmo a pobreza no continente europeu.
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Com uma nuance importante: enquanto os seus compatriotas, amontoados nos arrabaldes de Barcelona, amealham tostões que lhes permitam sonhar com o regresso à pátria, Rasheed, fã inveterado da bola, mais não pretende do que juntar dinheiro suficiente para se tornar "abonado", o legítimo proprietário de um lugar anual no estádio do Fútbol Club Barcelona.
Quando isso acontecer, a democracia futeboleira elevar-se-á ao seu máximo esplendor: a troco de umas "míseras" centenas de euros, Rasheed poderá sentar-se no Camp Nou ao lado de um qualquer profissional liberal de sucesso, cujo rendimento mensal excede o que ele obtém num ano.
"Ainda hei-de abraçar Messi depois de um golo", proclama, orgulhoso, com o rosto a rebentar de felicidade, à medida que lança farpas sexuais de gosto duvidoso sobre Cristiano Ronaldo, à espera de uma vã reacção da minha parte.
Para que os sonhos se não percam numa qualquer esquina, Rasheed assume (a contragosto...) o papel de vendedor ambulante. Todos os dias, é vê-lo agachado no alcatrão do opulento bairro portuário de Barceloneta, a revender bugigangas e preciosidades afins, ao lado de dezenas de compatriotas a quem coube sorte semelhante.
Enquanto negoceio a aquisição de uns Ray Ban, cuja autenticidade sei de antemão ser tão verdadeira como a cabeleira do José Cid, um silvo impercetível muda tudo. Em escassos segundos, perante a ameaça de uma investida policial que apreenda os escassos pertences do grupo, Rasheed puxa um fio e o lençol onde revendia os seus subprodutos logo se transforma num saco. Acto contínuo, desata a correr, perante a minha estupefacção. Num ápice, fico com os óculos na mão e o meu orgulho perdido algures no chão. Pouso lentamente no chão os Ray 'Beans' (como, afinal, reza a etiqueta...) e sigo a minha vida.