
1.º concerto da histórica banda rock com vocalista dos Guns’n’Roses leva 55 mil a Algés
Paulo Spranger/Global Imagens
É preciso ir direto ao assunto: sim, Axl Rose portou-se bem na sua estreia com os AC/DC. Não fez birras. Não desiludiu. Não desengatilhou brados desastrados. Não esteve com pedantismos excessivos nem baldas ou dissonâncias. E o timbre da sua voz encaixou naquelas canções. O concerto com os AC/DC na noite de sábado em Algés foi uma prova superada.
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Choveu o dia inteiro. E muito. Foi quase desesperante. Durante o dia até pairaram rumores a dar conta de um provável cancelamento do concerto. Mas o Passeio Marítimo de Algés foi-se enchendo de gente encharcada, militante, embrulhada em impermeáveis. Traziam cornichos em pisca-pisca luminoso na cabeça. Estavam cheios de sede e esvaziavam os barris de cerveja dos bares, não obstante o escandaloso preço mínimo de 2,5 euros, um ataque ao proletariado.
E, de repente, já eram mais de 55 mil ali junto ao Tejo. E todos viram a chuva parar, a noite a chegar, o palco a alumiar-se com imagens de cometas e explosões lunares. "Prazer em conhecer-vos, de repente o dia ficou soalheiro", disse Axl Rose.
Foi o início de quase duas horas de concerto com 22 músicas pelo meio. "Rock or bust" abriu. "Shoot to thrill" prosseguiu. Mas só depois de "Hell ain't a bad place to be" é que ocorreu a primeira grande explosão de júbilo: "Back in black", um clássico, dissipou as dúvidas de quase todos os desconfiados com Axl. E isso confirmou-se pouco depois com "Thunderstruck". Foi precisamente nesse momento que se reconheceu uma evidência: Axl Rose nos AC/DC não é um erro de casting e a sua voz faz todo o sentido naquela música.
Os virtuosos do roque, por norma, subestimam os AC/DC. Dizem que as canções são de lavra demasiado simples, simétricas, sem grandes predicados. É verdade que em Algés não se descortinaram grandes acrobacias nem exercícios intrincados, à exceção da "tripe" de Angus Young em "Let there be rock" - oito ou nove minutos a tricotar as cordas, delirante em cena. De resto aquela música é muitas vezes sempre a andar, sempre a descomplicar - mas o que poderia ser apenas básico revela-se a receita certeira para propagar o regozijo.
As guitarras dominam tudo. E nem a presença de Axl Rose consegue apagar aquela que é a grande alma dos AC/DC: Angus Young. O guitarrista de 61 anos continua lingrinhas e com aquela eterna pinta de puto incendiado na urgência de lançar tesouradas de eletricidade. Ele é 80% do encanto da banda. É o maior. Quando aquelas colunas derramam a bordoada elétrica sabemos que é ele o responsável. E é ele o piloto daquela tareia deliciosa. Levar com aquela música à frente provoca um efeito assim: o nosso corpo começa a responder, o tronco oscila, a cabeça sacode - e não poucas vezes se atinge uma dimensão que permite, nem que seja por breves momentos, esquecer os dramas da vida para saborear um êxtase abstrato, trampolim mental, locomotiva possante a trovejar no cérebro. Isso é rock'n'roll.
Axl Rose esforçou-se e cumpriu. Esteve bastante lúcido. Com um pé partido, viu-se obrigado a permanecer sentado no seu cadeirão, a outra perna em trepidação sísmica. Não andou por ali a armar carnaval. Continuou com os seus tiques costumeiros, os braços a serpentear o ar ao acompanhar as frases mais elásticas. Axl deu o litro, ninguém pode acusá-lo de outra coisa. Merece que se lhe faça uma vénia. E merece mais respeito de todos os detratores que andam por aí.
Mas nem toda a gente se deixou convencer. O JN ouviu opiniões mais desencantadas, sobretudo de fãs embriagados que viram o concerto de uma zona lateral, na fila para o kebab ou coisa do género.
Durante quase duas horas, houve tempo para hits como "Hells Bells", "You shook me all night long", "TNT" ou "Whole Lotta Rosie". O encore chegou com "Highway to hell", "Riff raff" e a inevitável "For those about to rock (we salute you)". O final aconteceu com fogo de artifício, o céu polvilhado de cor.
