"Sai pela porta grande". À porta do Coliseu Porto Ageas, este sábado à noite, comentava-se assim o adeus aos palcos de Carlos do Carmo. Dali a hora e meia, o artista despedia-se do público da Invicta, com casa cheia - os bilhetes esgotaram há meses - e várias ovações de pé, no primeiro de dois concertos que preparou para os Coliseus (dia 9, será a vez de Lisboa) para marcar a retirada.
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Teresa Prazeres veio de propósito de Sesimbra, porque o artista, que completa 80 anos em dezembro, não tem, para ela, paralelo: "Não há ninguém que fique no lugar do Carlos do Carmo. É como a Amália. São os dois únicos", afirma ao JN. Maria Domingues Fernandes concorda: "No lugar dele, não vejo ninguém".
O cabelo cor de neve faz adivinhar a admiração antiga. Já era fã da mãe, Lucília do Carmo, como é agora do filho. "Gosto da maneira afetuosa com que fala para o público e toda a maneira de estar, o charme", sorri. Em suma, uma fã de "Charles du Charm", como o batizou um dia Ary dos Santos.
Confesso apreciador de Frank Sinatra, Carlos do Carmo diz que aprendeu com o norte-americano a estar em palco como quem está a receber visitas em casa, e foi com esse espírito que conduziu o serão de sábado à noite no Coliseu.
Elogio ao Porto
Depois de interpretar "Vim para o fado" e "Gaivota", e de o vermos em imagens de arquivo da RTP, Carlos do Carmo dirigiu-se ao público, já com uma ovação no bolso e com a voz embargada. "Não é meu costume, mas os velhos controlam-se com mais dificuldade", brincou.
Sobre o Porto, garantiu ser "a cidade onde mais" gosta de cantar, apesar de ser de Lisboa "de alma e coração". Uma questão de "franqueza" que serviu para sugerir que "a atitude das pessoas do Porto com os artistas" devia ser alvo de estudo.
Ao longo de hora e meia, o espetáculo, que batizou de "Obrigado!", mais do que passar em revista 57 anos de carreira, exaltou o fundamental desse percurso: canções fundamentais - "Canoas do Tejo", "Os putos", "Lisboa menina e moça" -; pessoas fundamentais - Ary dos Santos, Lucília do Carmo -; e momentos fundamentais - a entrega do Grammy Latino de Carreira em 2014 ou o concerto com a Count Basie Orchestra no qual interpretou Frank Sinatra: "Que pena tenho que ele não tenha visto isto em vida", confessou.
Bernardo Sassetti, com quem Carlos do Carmo gravou um disco de piano e voz em 2010, e que faleceria dois anos depois disso, aos 41 anos, também foi lembrado num dos momentos mais bonitos da noite.
Novo disco em 2020
Ainda a recuperar de uma queda que lhe fraturou a bacia em abril, Carlos do Carmo movimentou-se em palco entre o microfone, na boca de cena, e uma cadeira. Sentado, assistiu à projeção de depoimentos de dezenas de personalidades do mundo das artes, da política e do desporto que lhe gravaram mensagens. Pela sua parte, o artista aproveitou para agradecer aos "maravilhosos músicos" que o acompanham. No Porto, estiveram José Manuel Neto na guitarra portuguesa, Carlos Manuel Proença na viola e José Marino de Freitas no baixo, além do clarinetista João Santos, como convidado.
Ao espetáculo, encerrou-o desafiador, a fazer da sala uma casa de fados: sem apoio do microfone, interpretou "Por morrer uma andorinha", na frente do palco, projetando a voz num Coliseu a debater-se pelo silêncio. Saiu com flores e palmas, e deixou a promessa de um novo disco no próximo ano, com "poemas de grandes autores", como Herberto Hélder, Hélia Correia, Jorge Palma ou Vasco Graça Moura.