Em "O vício dos livros II", Afonso Cruz partilha múltiplas histórias relacionadas com a paixão pela literatura.
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É a partir do lugar de leitor que Afonso Cruz escreve “O vício dos livros II”, um altamente recomendável repositório de episódios e curiosidades em torno da paixão literária que conhece agora o segundo volume.
São narrativas intencionalmente breves que não respondem a outro propósito que não o da partilha cúmplice do gosto pelos livros, o qual representa, afinal, o gosto pela própria vida, tão imbricados estão ambos, como se se alimentassem mutuamente.
Da Grécia Antiga, de onde nos chega o episódio de que Sócrates tinha aversão à escrita, ao Brasil de hoje e ao entusiasmo que o autor encontrou numa visita à Bienal de São Paulo, “O vício dos livros II” oferece-nos um conjunto amplo de perspetivas sobre a natureza desse ser tão singular e misterioso que é o leitor.
Afinal, como nos conta, num mundo cada vez mais cacofónico, a leitura representa uma das escassas práticas em que o silêncio dita leis. Mais: o culto do imediato que rege os nossos atos não poderia estar em maior dissonância da leitura, que exige um processo cognitivo complexo, a começar na conversão de letras em imagens.
“Ler dá trabalho. Essa exigência torna a leitura uma arte ativa, mais próxima da tradução do que da fruição imediata, e, talvez por isso, quando funciona, seja tão poderosa, porque é o leitor quem completa a obra. A leitura é uma arte de co-autoria”, enfatiza o autor de “Jalan Jalan”.
Quase sempre a partir de uma citação, fragmento ou pensamento solto de um escritor (James Joyce, Umberto Eco, Mário Quintana, Italo Calvino, Epicuro ou Marguerite Duras estão entre os mencionados), Afonso Cruz faz uma apologia do livro sem incorrer no didatismo em que as campanhas de promoção da leitura tantas vezes incorrem, associando-a apenas à fruição e ao prazer imediatos, quando muitos dos livros mais proveitosos exigem esforço e perseverança, em nome de uma recompensa final muito superior.
De todas as definições apresentadas, uma das mais certeiras chega-nos do filósofo espanhol Joan-Carles Mélich, para quem “escrever é rezar. E ler é uma oração”.
Livro de um bibliófilo para outros bibliófilos (mesmo que apenas aspirantes a tal), “O vício dos livros II” revela a sua eficácia quando o leitor chega à página final e sente vontade de embrenhar-se em novas páginas.