A "atualidade de Agustina Bessa-Luís" foi o pretexto para reunir, neste fim de semana, na Feira do Livro do Porto, várias especialistas na sua obra. Os 95 anos da autora, celebrados já no próximo mês, deverão coincidir com um inédito, "Deuses de barro".
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Três devotas da obra de Agustina Bessa-Luís, uma certeza: a sua obra, que se espraia por quase 70 anos, permanece "tremendamente atual". Os motivos para justificar essa crença é que divergem.
Para a professora universitária Isabel Pires de Lima, "a atualidade de um escritor decorre de ser lido", já que "cada nova leitura é uma atualização da sua obra". E Agustina, observa, "continua a ter novos leitores", com vários estudantes universitários, portugueses e não só, a desenvolverem teses de doutoramento sobre os seus livros.
Também presente na sessão especial inserida na programação da Feira do Livro do Porto - marcada para um local, o salão independente, demasiado exíguo para o interesse que a autora justifica, o que provocou a sobrelotação do espaço -, a professora universitária Ana Paula Coutinho defendeu, por sua vez, que a atualidade da autora de "Vale Abraão" se deve ao caráter "comovente" dos seus livros, capazes de provocarem "um sobressalto" em quem os lê.
A especialista recordou a "experiência marcante" que foi a descoberta dos seus livros. "Tinha 15 ou 16 quando li 'A sibila', que fazia parte das leituras obrigatórias do 10º ano na altura. Foi uma revelação", explicou, concretizando que desde então "nunca mais largou" um universo fiel à premissa de Montaigne segundo a qual "quanto mais pessoal mais universal".
Inédito é prenda de aniversário
A intervenção de Pires de Lima também assentou largamente na evocação do espaço agustiniano. "Os seus livros remetem-nos para um universo fechado e fortemente estratificado, com normas muito rígidas", observou. Mas o que parece imutável torna-se subitamente subitamente, graças também à intervenção das mulheres que procuram contornar as limitações que lhes são impostas.
Neste "mundo às avessas onde nada é a preto e branco", a antiga ministra defendeu que a obra de Agustina "é muito pouco convencional", embora um primeiro contacto nos faça crer o contrário: "É uma escritora tremendamente subversiva, pela capacidade de pôr em causa a ordem estabelecida".
Mónica Baldaque, filha de Agustina, partilhou, por sua vez, com a plateia o plano editorial em curso. Recorde-se que, depois da cessação do contrato com a Guimarães, os familiares da romancista assinaram "em boa hora" um acordo com a Relógio D'Água. Ao abrigo desse projeto, a sua obra vai ser reeditada. Já saíram os incontornáveis "A sibila" e "Dentes de rato", com imagem gráfica renovada e prefácios de vários escritores. Até final do ano, a lista vai ser aumentada com a reedição de "Fanny Owen", prefaciado por António Lobo Antunes, e "Vale Abraão".
O ponto forte, todavia, acontecerá em outubro, mês em que Agustina Bessa-Luís assinala o 95º aniversário, com a publicação do inédito "Deuses de barro".
Escrito quando a autora tinha apenas 19 anos, o romance foi assinado na altura com o pseudónimo de Maria Ordonez.
"Contra os pensadores do óbvio, gostaria que dizer que este não foi um livro recusado pela Agustina. Embora tenha sido o quarto que ela escreveu, foi o primeiro que ela quis verdadeiramente publicar", defendeu, exemplificando com "o domínio do processo narrativo" já demonstrado.