Como já vem sendo tradição, o DDD - Festival Dias da Dança volta a expandir-se para lá dos palcos, propondo uma imersão formativa com um conjunto de nove workshops para profissionais e estudantes de artes performativas.
Corpo do artigo
As sessões decorrem no CAMPUS Paulo Cunha e Silva, no Porto, e reúnem artistas nacionais e internacionais que integram a programação do festival, promovendo o cruzamento entre práticas, geografias e formas de pensar o corpo.
A proposta que abriu a vertente formativa do DDD 2025 foi “Imagination and rhythm as a medium of invocation”, com a coreógrafa Aina Alegre a partilhar os princípios coreográficos de "Fugaces", espetáculo dedicado à lendária Carmen Amaya. Como assistentes da sua formação, durante os dois primeiros dias do Festival teve alunos de várias nacionalidades, entre gregos, cabo-verdianos e italianos, mas a maioria eram portugueses e de idades variadas. Todos com uma proveniência comum: a dança.
Carmen Amaya foi uma tempestade de pés descalços sobre a rigidez do flamenco. Inclassificável, visceral, com um corpo que desafiava género, norma e tempo, dançava como quem rasga o chão à procura de verdade. Do Somorrostro aos palcos do mundo, foi resistência em movimento — uma força bruta que não pedia licença. Mais do que bailaora, foi uma revolução coreografada, um corpo que nunca se rendeu à delicadeza esperada.
Perante o desconhecimento da maioria dos alunos, Aina Alegre apresentou a história da bailaora, recorrendo a muitas críticas escritas sobre a mesma e a vídeos, dado ter-se tornado uma estrela em Hollywood - chegou mesmo a dançar para o presidente Roosevelt.
E desenganou, com uma humildade desarmante, quem tivesse outras expectativas: "Não danço flamenco, sou contemporânea, mas a personagem de Carmen Amaya sempre me assombrou. É preciso contar a sua história e resgatar essa energia. O flamenco é uma disciplina que obriga a que alguém se dedique a ela toda uma vida".
Dos seus ensinamentos, o mais divertido é "domar o tigre". Conta que "cada um de nós tem um tigre dentro e, às vezes, é preciso domar esse tigre, segurá-lo pela trela; outras vezes, é preciso picá-lo".
Nessa dominação, a música, essa sim, maioritariamente flamenca, leva um papel fundamental. Brincar com o tempo, velocidade máxima e suspensão, para segurar esse tigre.
Outra tecnicidade que lhe interessa particularmente é a geometria do baile de Carmen Amaya, assim como as espirais e as voltas vulcânicas. Assim como a exaustão de saltar e gritar sem parar, ou repetir um movimento até encontrar o tédio, que "pode ser um grande processo criativo".
Fazer um círculo dedicado à teatralidade e aos clichés flamencos, pode também ser matéria de estudo. Roubar essa força, obrigar à mimetização, cria personagens híbridos dignos de registo corporal. No fim, os tigres estavam mais selvagens do que nunca.
Outras formações
Selma Mylene começa o curso esta sexta-feira e centra-se nas raízes angolanas do kuduro e do afro-house, partilhando as bases técnicas e expressivas destas danças urbanas.
O brasileiro Cristian Duarte arranca na segunda-feira com uma formação em que propõe uma abordagem sensorial ao movimento, com “Dramaturgia tátil”, enquanto Justin Shoulder, que começa no mesmo dia, apresenta “Creature lab”, laboratório performativo onde investiga o corpo como criatura em mutação.
Também no dia 28 arranca Camilo Mejía Cortes, que oferece “Cuerpos manglar”, um workshop que mergulha em formas populares como a salsa, ativando o corpo como território de hibridismos.
Em “Uploading the rhythm”, que começa na quarta-feira, o moçambicano Ídio Chichava cruza técnica e consciência corporal, com foco na linguagem da dança contemporânea.
O duo Eisa Jocson & Venuri Perera começa no dia 2 de maio a explorar o poder ritual e coletivo do gesto em “Magic maids: broomology 101”. E os coreógrafos da companhia KOR’SIA, Mattia Russo e Antonio de Rosa, guiam os participantes por um processo entre memória, improvisação e limite físico, também no dia 2.
Paralelamente, os alunos da Escola Secundária Almeida Garrett terão um workshop exclusivo com Gaya de Medeiros, intitulado “Perdidos e achados”, numa ação que reforça o compromisso do Festival com a formação jovem.
Para os programadores e profissionais da área, o DDD Próximo continua a ser um espaço privilegiado para o encontro com artistas nacionais, partilha de processos e construção de redes criativas.