Têm sido pródigas em oferendas as comemorações do centenário de Sophia de Mello Breyner Andresen. Exemplares no modo como conjugaram contributos de dezenas de instituições, têm cumprido à risca o que a comissão organizadora anunciou há um ano: a criação de "um programa vivo e vasto, ambicioso e atualizado, em que se inscrevem e refletem todas as faces do rosto ao mesmo tempo uno e multiplicado de Sophia".
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E se é certo que algumas das novidades escapam à comissão - como foi o caso da biografia escrita por Isabel Nery e publicada pela Esfera dos Livros -, é indesmentível que, em poucas ocasiões anteriores, foi possível ver-se um programa tão amplo e capaz de ir ao encontro dos gostos de diferentes públicos.
Das peças de teatro para os mais novos aos colóquios que reuniram dezenas de especialistas na sua obra (em várias cidades portuguesas, mas também em Itália, Brasil e Macau), da emissão especial de selos à reedição de (audio)livros, foram numerosas e profícuas as atividades que ajudaram a fazer de 2019 um "ano Sophia".
Já na reta final, as comemorações contemplam ainda várias propostas aliciantes (ler caixa ao lado). Uma das principais é o documentário "Sophia, na primeira pessoa", exibido ontem na RTP, que hoje, dia do centenário do nascimento da autora, lhe dedica emissões especiais no "Jornal da Tarde", na RTP3, ao longo do dia, e no "Telejornal".
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Um filme a uma só voz
Exibido pela primeira vez há pouco mais de uma semana no âmbito do festival DocLisboa, este não´pretende ser mais um documentário sobre Sophia e o seu admirável mundo. Nele não encontramos os mesmos académicos de sempre louvando os mais do que reconhecidos méritos da autora de "Contos exemplares". Nem a associação única e redutora do seu imaginário poético à luminosidade e aos elementos marítimos, ocultando-se a importância das sombras, do negrume e da morte na sua escrita.
Em "Sophia, na primeira pessoa", uma só voz perpassa ao longo de 56 minutos: a própria voz de Sophia. Grave, inabalável e definitiva como a sua poesia, que jura, a dada altura do filme, que "um dia mortos e gastos voltaremos a ser livres como os animais".
"À medida que fui percorrendo o material disponibilizado pela RTP, Cinemateca e a família da Sophia, comecei a perceber que este talvez fosse suficiente para que a voz de Sophia atravessasse todo o filme", explica Manuel Mozos. Quando, em fevereiro, se lançou ao projeto, o realizador tinha duas ideias bem precisas: "fugir ao ponto de vista formatado dos académicos" e transmitir uma visão distinta da que João César Monteiro (em 1969) e Rita Azevedo Gomes ("Correspondências", de 2016) já haviam feito.
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Entre o material que lhe passou pelas mãos encontrou verdadeiras preciosidades, como uma entrevista inédita de Fernando Assis Pacheco ou fotografias e vídeos domésticos que resolveu incluir no filme.
Ao aceder a "um lado privado" de Sophia, não esconde ter sentido "um fascínio" que apenas veio cimentar a admiração já existente. "Abriu-me imensas perspetivas. Não tenho a veleidade de saber tudo sobre ela, até porque haverá sempre imenso por descobrir, mas aprendi imenso", segreda.